Hugo Garbe (*)
As novas tarifas impostas pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros reacenderam o debate sobre a vulnerabilidade externa da nossa economia. A reação inicial foi de preocupação, e com razão. Em um cenário global marcado por tensões comerciais e disputas geopolíticas, cada medida protecionista representa não apenas uma barreira tarifária, mas também um teste à capacidade de adaptação do país.
Ao analisar os dados recentes de exportação, percebo que parte dos setores mais atingidos conseguiu reagir de forma mais eficiente do que se esperava. Cinco dos dez produtos que sofreram com o aumento das tarifas conseguiram redirecionar suas exportações para outros mercados, reduzindo o impacto das perdas. É um dado relevante porque mostra que, apesar das dificuldades logísticas e das barreiras comerciais, algumas empresas brasileiras estão desenvolvendo flexibilidade estratégica — um ativo cada vez mais valioso em tempos de incerteza.
Nos setores de ferro, aço e carnes bovinas, o redirecionamento de vendas foi particularmente notável. As exportações que antes tinham forte dependência do mercado americano encontraram novos compradores, especialmente em países da Ásia e da América Latina. Essa capacidade de adaptação reflete não apenas competitividade de preço, mas também o esforço de diversificação que parte das empresas já vinha fazendo nos últimos anos.
Ainda assim, é importante reconhecer que nem todos os setores têm essa mesma agilidade. Exportadores de produtos altamente especializados ou sujeitos a regulamentações técnicas encontram mais obstáculos para reposicionar suas vendas. Além disso, o custo de abrir novos mercados é elevado: envolve certificações, adequações logísticas e negociações demoradas. Isso significa que, enquanto alguns segmentos conseguem compensar rapidamente a perda de um parceiro, outros sofrem quedas prolongadas na produção e no faturamento.
No agregado, o impacto sobre o PIB brasileiro tende a ser limitado, algo em torno de 0,2 ponto percentual até o final de 2026. Mas essa média esconde diferenças profundas entre setores e regiões. Polos industriais com forte vocação exportadora para os Estados Unidos sentirão os efeitos mais intensamente, com risco de desaceleração no emprego e no investimento local.
A experiência recente reforça uma convicção que tenho há anos: o Brasil precisa reduzir sua dependência de poucos mercados e adotar uma política de diversificação mais sólida.
Isso envolve ampliar acordos comerciais, investir em inteligência de mercado, apoiar a internacionalização das empresas e fortalecer a diplomacia econômica. O mundo está cada vez mais fragmentado, e a previsibilidade das relações comerciais diminuiu. Só sobreviverão com estabilidade os países e setores capazes de operar em múltiplos mercados.
As tarifas impostas pelos Estados Unidos não devem ser vistas apenas como uma perda conjuntural, mas como um alerta estrutural. Elas expõem o quanto ainda dependemos de poucos destinos para escoar nossa produção. A resposta que precisamos construir vai além da reação imediata: deve ser estratégica, coordenada e orientada para o longo prazo.
O comportamento das exportações nos últimos meses mostra que há capacidade de reação, mas ela é desigual. Transformar essa resiliência pontual em uma característica permanente exige planejamento público e visão empresarial. O futuro do comércio brasileiro dependerá menos da sorte nos mercados externos e mais da nossa capacidade interna de antecipar riscos e agir com estratégia.
(*) Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)