O consumo da carne bovina brasileira é de risco desprezível para a população, avaliam especialistas. De acordo com eles, a proibição do uso de rações de origem animal na alimentação dos bovinos brasileiros e o fato de não haver relato de novas suspeitas do mal da vaca louca desde a morte da fêmea em que foi confirmada a presença do agente (príon) da encefalopatia espongiforma bovina (EEB) são fatores de segurança para o consumidor.
A morte do animal de 13 anos ocorreu em 2010, em Sertanópolis (PR). Como se tratou de morte súbita, com suspeita de doença neurológica, o governo brasileiro seguiu o protocolo internacional e requisitou análises clínicas e de campo a laboratórios da rede federal e estadual. Pelo fato de os resultados apresentaram divergência, encaminhou as amostras para o laboratório de referência da Organização Mundial da Saúde Animal (OIE), em Weybridge, na Inglaterra, que entregou a conclusão das análises ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em 6 de dezembro do ano passado.
Os resultados do laboratório inglês confirmaram a presença do príon mas indicaram que ele era compatível com o tipo H da EEB, também conhecida como EEB Atípica. Segundo o veterinário Paulo Maiorka, professor da Universidade de São Paulo (USP), que atua na área de neuropatologia, essa variação da doença da vaca louca foi catalogada pela primeira vez na Itália em 2004 e apresenta sintomas e locais de lesão no cérebro diferentes do das ocorrências típicas. “A EEB foi chamada doença da vaca louca porque nos casos típicos o animal fica estressado e avança. Na EEB atípica esses sintomas são mais brandos ou não existem”, explicou. Maiorka destaca que isso não significa que a variação não seja perigosa ou não traga risco de contágio ao rebanho. A diferença é que ela não se origina dos fatores de risco típicos da vaca louca, como a ingestão de proteína animal.
Casos esporádicos
“Estudos mostram que (os casos da EEB atípica) são esporádicos e que nenhum país está livre deles. É uma doença endógena. Há uma alteração genética e o príon acaba se acumulando no encéfalo. Pode vir a contaminar o rebanho, a infectividade é a mesma. Mas o risco é menor do que na variação clássica porque no Brasil, hoje, é proibido usar farinha de osso e sangue na composição da ração”, disse. Para Maiorka, a detecção do caso do Paraná foi eficiente.”O fato de termos tido caso não é demérito. Mostra que temos um sistema ativo, funcionante, tanto que conseguiu diagnosticar um caso atípico”, declarou.
Para o presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), Benedito Fortes de Arruda, o fato de o animal ter morrido 24 horas após o início dos sintomas, conforme divulgado pelo ministério, aponta que “não houve condição de contaminar o rebanho”. Ele destaca que as análises de campo não mostraram contaminação atingiu outros animais e que desde 2010 não foram registrados casos semelhantes na região. Arruda também acredita que o risco de disseminação do mal da vaca louca no Brasil é pequeno pela proibição do uso de rações de origem animal para o rebanho bovino. “O animal é herbívoro. A ‘cama de frango’ [substrato para coleta de fezes e urina de aves que costumava ser reutilizado para alimentar bovinos] está proibida há muito tempo”, explico
Josélio Moura, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Veterinária (SBMV) e especialista em EEB, também chama a atenção para a retirada rápida do animal contaminado de entre o rebanho. “Veio a óbito de forma muito rápida e o sistema mandou para o laboratório como suspeita de raiva porque houve caso de raiva na região. A vaca não entrou na cadeia produtiva porque foi destruída”, disse.
Desde que o Brasil comunicou à OIE a confirmação da presença do agente priônico, em 7 de dezembro, nove países declararam embargo à carne brasileira (Peru, Líbano, Coreia do Sul, Arábia Saudita, Japão, África do Sul, Taiwan, Jordânia e Chile). A Jordânia suspendeu as compras do gado exportado pelo estado do Paraná, e o Chile de farinha de carne e ossos do rebanho bovino brasileiro.
O secretário de Defesa Agropecuária do Mapa, Ênio Marques Pereira, disse, em dezembro, que o país pode ir à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra as barreiras caso elas não terminem até março. Na última semana, a ministra interina de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Tatiana Prazeres, reiterou a possibilidade de uma representação no organismo e disse que as barreiras não têm justificativa sanitária. Para ela, as restrições têm caráter comercial.
Até o momento, a OIE mantém a classificação do Brasil para EEB em risco “insignificante”. O organismo se reunirá em fevereiro, quando especula-se que pode ocorrer uma reclassificação. No entanto, segundo Victor Saraiva, fiscal agropecuário do ministério cedido à OIE, o código do organismo internacional não prevê alteração da classificação de risco em casos como o registrado no Brasil. De acordo com ele, ocorrências idênticas foram registradas em outros países sem que houvesse reclassificação.
Fonte Agência Brasil