Novo BRICS poderia ser chamado de RIC. Entenda!

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O termo BRIC, mais tarde estendido para BRICS tinha entre seus membros características de similitudes sobretudo econômicas. Todavia, o cenário atual e sua expansão demandaria uma nova nomenclatura que buscasse traços comuns de seus novos integrantes. E esta poderia ser RIC – Regional Influencing Countries ou, em português, PIR – Países de Influência Regional.

Rodrigo Solano (*)

Ainda é claro na memória de grande parte de quem atua em comércio exterior ou relações internacionais, o motivo pelo qual o termo BRIC surgiu. Mas é sempre válido lembrar. Foi criado como um acrônimo de Brasil, Rússia, Índia e China, países em desenvolvimento que se destacavam no início do século XXI, sobretudo pela relevância de seus indicadores econômicos, à altura, muito positivos.

O batismo da sigla foi atribuído ao então chefe de pesquisa em economia global do grupo financeiro Goldman Sachs, o economista Jim O’Neill. Como responsável pela área de desenvolvimento de mercados da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, em que análise de indicadores e oportunidades de mercado faziam parte de nossa rotina, para mim o termo BRIC fazia todo o sentido.

Mais de duas décadas depois, os países economicamente agrupados, têm sofrido abalos em seus principais alicerces comuns, para dizer o mínimo. Indicadores econômicos e as condições políticas estão entre os aspectos que mais distanciam os países originais e impossibilitam, grosso modo, a compreensão de algum critério lógico, de base econômica, para a expansão do grupo.  Desse modo, é quase que instantâneo e até óbvio pensar que o termo BRICS não faça mais sentido.

A despeito disso, os líderes dos BRIC, mais tarde BRICS, na esteira de uma nomenclatura oriunda de uma análise econômica, passaram a se aproximar de forma a parecer um potencial bloco, seja ele econômico ou não, o que foi reforçado com a criação do Novo Banco de Desenvolvimento.

Além do mais, os países do grupo têm mantido reuniões esporádicas e, com sua expansão, demonstram que o sentido econômico original não seria mais o motivo cervical para a aproximação. Uma hipótese de outra ordem pode ser imaginada – influência cultural que se concretiza em influência regional. Esse é um aspecto que os países originais já tinham e os novos entrantes, aparentemente, também demonstram ter. Vejamos:

Países Originais: 

  • Brasil: Maior país da América Latina, termo bastante explorado nas ciências sociais incluindo economia e comércio exterior. A região tem demonstrado intentos de integração, frequentemente tendo o Brasil como líder regional. Esse grupo de países tem em comum uma população majoritariamente mestiça, de línguas ibéricas com traços culturais comuns em sua esfera econômico-mercadológica que é vasta e importante para o mundo.
  • Rússia: Responsável por grandes eventos no continente europeu, a Rússia influenciou e ainda influencia diversas nações que usam sua língua, costumes o que lhe concede influência. Isso sem contar a vastidão territorial que lhe permite presença global e fronteiras com muitos países com os quais, em situações normais, desenvolve forte comércio.
  • Índia: Historicamente fonte de conhecimento e produtos que impulsionaram o comércio mundial e estimularam as navegações europeias e sua consequente presença global. Além disso, a Índia, além de ser o maior país do mundo em termos populacionais, fornece bases culturais à expressiva extensão territorial da Ásia, sobretudo a Indochina. Seu avanço econômico evidencia ainda mais tal influência.
  • China: O país, ou região tem sido milenarmente relevante para os desenvolvimentos científicos, mercadológicos e culturais tendo influência histórica em grande parte do leste asiático e do mundo. A grande população chinesa, seu desenvolvimento em vários aspectos e sua amálgama cultural, fazem da China um grande influenciador regional e, também, cada vez mais global, o que economicamente já não se discute.
  • África do Sul: Nação que está quase sempre em evidência no vasto continente Africano. Tem forte presença banta, grupo etnolinguístico expressivo na África subsaariana. Também possui uma considerável população branca. A resolução de conflitos com os povos originários locais tem sido observada por nações de grande parte do continente.

Com onze etnias e línguas oficiais, a África do Sul se coloca como modelo político-econômico plural, sendo respeitada regionalmente com personalidades mundialmente conhecidas, a exemplo de Nelson Mandela e da cantora Miriam Makeba que canta em línguas que não só as sul-africanas, demonstrando a empatia e interação com outros povos. É geralmente posicionada entre os mercados consumidores mais desenvolvidos do continente.

Novos Entrantes:

  • Arábia Saudita, Egito e Emirados Árabes Unidos: Coloco os três países num só tópico por dois motivos. O primeiro deles é porque todos são países árabes, de língua árabe e pertencentes à Liga Árabe. O segundo é porque justamente os três países exercem influência em toda a região árabe, com possibilidade de extensão para não árabe tanto islâmica quanto não islâmica. O principal berço da cultura árabe é a Arábia Saudita, de onde parte um grande império que influencia o mundo passando pela África, Ásia e Europa. O Egito se destaca por ter a sede da Liga Árabe. É um grande mercado e centro de influência industrial e cultural com produções audiovisuais que alcançam culturalmente mais de duas dezenas de países de língua árabe. Por último, os Emirados Árabes Unidos têm se apresentado como uma grande vitrine e referência em desenvolvimentos suntuosos que inspiram e chamam a atenção do mundo, além de se colocarem cada vez mais entre os principais centros de eventos para negócios internacionais em nível global.
  • Irã: O país é, de maneira geral, a antiga Pérsia. Só passou a ser chamado de Irã no século XX, sobretudo por questões políticas. Pensando no mundo persa, sua língua, cultura e política que extrapolam suas fronteiras, o país está entre os 20 mais populosos do mundo. Há várias regiões na Ásia central que falam modalidades do persa com trocas culturais e comerciais. É frequentemente citado como berço de conceitos religiosos e culturais que influenciaram o mundo ocidental além de ter vasta produção literária. Além disso, o Irã exerce forte influência político-econômica na região.
  • Etiópia: Um aspecto que não costuma estar em relevo na mídia ocidental é que a Etiópia foi o único país africano a não ser colonizado pelos europeus, fora a Libéria que foi formada basicamente por afrodescendentes provenientes dos EUA. O país, que fala majoritariamente amárico (não confundir com aramaico), língua semita como o árabe e o hebraico, tem tradições de fortes laços com a cultura judaico-cristã e consequentemente com as bases culturais ocidentais. Sua importância cultural e política inspiraram o chamado pan-africanismo, influenciando cores de bandeiras de diversas nações africanas, além de comportamentos e pensamentos a exemplo da cultura rastafari, que através de Bob Marley se tornou praticamente global.
  • Argentina: A Argentina já esteve entre os países mais desenvolvidos e influentes da região e até, de certo modo, do mundo. Contudo, a inclusão do país no grupo parece estar mais ligada a um possível intento de influência regional brasileira. É como se o Brasil, com seu pedido de inclusão da Argentina no grupo, demonstrasse um bom trato aos países em sua região de influência, sinalizando que não é apenas um líder imperialista, mas que tende a trazer benefícios aos seus parceiros latinos. E a Argentina está entre os maiores e mais próximos deles.

A par do breve levantamento hipotético que traço, faria mais sentido chamar o grupo de “Países de Influência Regional” ou CIR que em inglês ficaria RIC (Regional Influencing Countries). Logicamente as asserções que faço nesse artigo, mereceriam mais aprofundamentos para o estabelecimento de alguma lógica que talvez nem tenha sido pensada no momento da ampliação dos BRICS.

Contudo, a hipótese é suficiente para percebermos que os integrantes do grupo, tanto antigos como novos, possuem influência relevante e essa se materializa, sobretudo pelo aspecto cultural que articula com política, economia, mercado e, consequentemente, expressão global.

Com a estimativa do FMI, o novo grupo deve somar um Produto Interno Bruto de aproximadamente US$ 65 trilhões em 2023 ou 37% do PIB Global, sem contar as regiões em que cada integrante tem influência. Diante de tamanha relevância e, como não é possível ignorar que o grupo existe e se reúne de fato, adotar uma nomenclatura que os represente com semântica adequada, me parece razoável. Pelo menos até quando esta fizer algum sentido.

Por último, é importante observar que a aproximação desses países, intencionalmente ou não, demonstra que a cultura interage, ou pode interagir, com planejamento e decisões estratégicas. Afinal, são as grandes referências culturais que regem nossa atenção e nossos desejos, incluindo os de consumo, o que movimenta o mercado e consequentemente a economia. E é justamente por isso que costumo tratar a cultura e suas facetas como base estratégica para o planejamento de negócios internacionais ou, melhor dizendo, planejamento estratégico intercultural.

(*) Rodrigo Solano, Especialista em Internacionalização e Relações Interculturais

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