Brasília – No município de Tomé-Açu (PA), habitado originalmente pelos índios Tembé, os primeiros imigrantes japoneses que chegaram à cidade há 90 anos fizeram da agricultura sua principal atividade. A produção começou com o cultivo de pimenta-do-reino, mas, depois de uma doença que dizimou os pimentais, o cacau foi implementado como alternativa para a agricultura na região.
O diferencial do cacau de Tomé-Açu é o processo de cultivo do produto, simulando a floresta nativa, para que a fruta cresça de forma sustentável. Neste modelo de plantio, o cacau é plantado junto a outras culturas de árvores, palmeiras ou frutas, como ocorre em seu bioma de origem, a floresta Amazônica.
“Nosso cacau é diferenciado, com sombreamento, dividindo espaço com outras culturas. Ele é plantado de uma forma completamente sustentável, sem agressão ao meio ambiente, sem utilização de queimadas. As plantas dividem espaço com outras e se ajudam mutuamente, através das folhas e dos galhos que caem e funcionam como adubo orgânico. É uma prática de agricultura que deu certo e que é a melhor forma de exercer a agricultura na região Amazônica”, afirma Silvio Shibata, presidente da Associação Cultura de Fomento Agrícola de Tomé-Açu.
O cacau de Tomé-Açu recebeu o reconhecimento de Indicação Geográfica (IG), na espécie de Indicação de Procedência (IP), em 2019.
O processo da IG de Tomé-Açu foi iniciado a partir de uma demanda do mercado japonês. Atualmente, a produção de cacau é de 500 toneladas/ano e as amêndoas são exportadas para o Japão. “A forma de cultivo é um dos grandes diferenciais do produto no mercado, o que foi fundamental para a conquista da IG”, ressalta o presidente.
A detentora dos registros é a Associação Cultural e Fomento de Tomé Açu (ACTA), responsável por manter um conselho regulador que deve preservar, divulgar, proteger os produtos registrados.
Abacaxi
O abacaxi produzido em Novo Remanso, município de Itacoatiara, região Metropolitana de Manaus (AM), recebeu o selo de Indicação Geográfica (IG), na categoria Indicação de Procedência (IP), em 2020. Há mais de 60 anos são desenvolvidas atividades voltadas para a cultura do abacaxi nas comunidades de Novo Remanso e Vila do Engenho, em Itacoatiara e Caramuri.
A mão de obra familiar ainda é uma prática muito utilizada nessa cultura, tanto nos plantios tradicionais como nos semimecanizados, o que tornou o abacaxi o principal sustento das famílias da região.
“Através da organização social e do empoderamento do cooperativismo, o agricultor consegue galgar caminhos nos horizontes, acessando a política pública voltada ao setor primário. Isso foi um ganho imensurável na região”, ressalta o presidente da Associação dos Produtores de Abacaxi da Região de Novo Remanso, Daniel Leandro.
O selo garante estabilidade econômica e ambiental na região. Além disso, promove a viabilidade de mercado e garante maior qualidade de vida ao homem do campo beneficiado com o selo.
Atualmente, o maior polo de produção de abacaxi é na Vila do Engenho, que alcançou 96 milhões de frutos, em 2019. O abacaxi é comercializado nas feiras, supermercados e restaurantes de Manaus e também destinado ao programa de regionalização da merenda escolar.
“Hoje temos um manual do abacaxi de Novo Remanso. Ele está embasado no conhecimento científico e no olhar empírico do agricultor que contribui muito e, inclusive, desenvolveu técnicas que não eram de conhecimento da Embrapa”, destacou o presidente.
Segundo Leandro, o abacaxi de Novo Remanso reduziu o desmatamento em 99% na comunidade de São Francisco do Caramuri. “O pequeno agricultor, hoje, investe em ciência e tecnologia para produzir com qualidade, mantendo a Amazônia em pé”, diz. .
“Todo esse caminho percorrido ao longo do tempo, toda a história das três comunidades que se destacam dentro da região geográfica de IG, possibilitou ousarmos um horizonte mais promissor. A importância da IG para nós é viabilizar um mercado não só local, como também nacional e internacional”, destacou o presidente.
Farinha de Mandioca
A farinha de mandioca de Uarini (AM), é um dos alimentos mais consumidos na mesa dos amazonenses, diferenciada pelo sabor e crocância. O produto também recebeu o reconhecimento de Indicação Geográfica (IG), na espécie de Procedência, em 2019.
A delimitação geográfica da IG Uarini compreende os municípios de Uarini, Alvarães, Tefé e Maraã, onde o cultivo de mandioca e a produção da farinha estão fortemente presentes há um longo tempo.
A Indicação Geográfica busca também a valorização dos pequenos agricultores. “O reconhecimento da IG foi um desafio para nós. Começamos um trabalho de campo na região, participamos de capacitações, orientações e entendemos a importância do reconhecimento da IG para Uarini”, explicou o representante da Associação dos Produtores de Farinha de Mandioca da Região de Uarini, José Albino de Freitas.
O produtor agregou valor com qualidade e conhecimento. Eles reduziram o tamanho do roçado em pequenas escalas, mas com produção de qualidade. “Os produtores produzem farinha boa e torrada. É um resultado muito positivo e gratificante”, afirma o representante da entidade.
Em 2019, a produção de farinha atingiu 80 toneladas, que foi comercializada totalmente em Manaus. “O próximo desafio é buscar o mercado nacional e internacional. Já estamos conversando com países do Mercosul, mas ainda não conseguimos projetar um potencial de produção. Com a certificação da IG, estamos trabalhando com os produtores de Uarini, Tefé e Alvarães, para alcançarmos uma produção relevante de farinha com qualidade”, finaliza.
Indicações Geográficas Brasileiras
A Indicação Geográfica (IG) é um instrumento de reconhecimento da origem geográfica, conferida a produtos ou serviços que são característicos do seu local de origem, que detêm valor intrínseco, identidade própria, o que os distingue dos similares disponíveis no mercado.
“As Indicações Geográficas são ótimas ferramentas para promover o desenvolvimento rural com sustentabilidade. E no caso da região Norte, ela tem o potencial de dar visibilidade aos produtos da biodiversidade, relacionados as tradições das comunidades locais, o que contribui para a valorização dos produtos e preservação de saberes,” ressalta a coordenadora de Indicação Geográfica de Produtos Agropecuários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Débora Gomide Santiago.
O Mapa é uma das instâncias de fomento das atividades e ações para IG de produtos agropecuários, dando suporte técnico aos processos de obtenção de registro. O Ministério também oferta cursos, seminários, reuniões e workshops, além de mapear os produtos com potencial de identificação e promover parcerias institucionais.
O país contabiliza 76 indicações geográficas: 61 indicações de procedência e 15 denominações de origem.
Na Região Norte, existem oito IGs registradas, sendo que a Terra Indígena Andirá-Marau é a primeira denominação de origem da região, em razão de dois produtos nativos: o waraná (guaraná nativo) e o pão de waraná (bastão de guaraná).
As outras IGs foram registradas na modalidade Indicação de Procedência. São elas: Região do Jalapão do Tocantins, para artesanato em capim-dourado; Rio Negro, para peixes ornamentais; Cruzeiro do Sul, para farinha de mandioca; Maués, para guaraná; Tomé-Açu, para cacau; Uarini, para farinha de mandioca; e Novo Remanso, para abacaxi.
De hoje (23) até o dia 26 de fevereiro, será realizado em Belém (PA) o Seminário Internacional de Indicação Geográfica e Marcas Coletivas do Pará. Com palestras, paineis técnicos e reuniões virtuais, o objetivo do evento é popularizar o tema e dar visibilidade aos produtos e serviços do estado.
Crescimento
As Indicações Geográficas estão em franco crescimento no Brasil. No país, 159 regiões estão em processo de reconhecimento no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Na região norte, existem quatro regiões em processo de reconhecimento no INPI. São elas: Região do Marajó, Pará, para queijo; Bragança, Pará, para farinha de mandioca; Matas de Rondônia, Rondônia, para café em grão Robusta Amazônico; e Mamirauá, Amazonas, para pirarucu manejado.
(*) Com informções do Mapa