Dos programas sociais às Bets: o impacto social e o crescimento do vício em jogos no Brasil

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Carlos Henrique (*)

Nos últimos anos, as plataformas de apostas online se popularizaram no país, com forte presença em patrocínios esportivos e publicidade, alcançando milhões de brasileiros — especialmente os mais vulneráveis, como beneficiários de programas sociais. A promessa de dinheiro rápido contrasta com a realidade econômica dessas famílias e gera um fenômeno preocupante do ponto de vista social e psicológico.

As apostas online não criam riqueza social: apenas deslocam renda. De acordo com a Confederação Nacional do Comércio, em 2024, o varejo deixou de faturar R$ 103 bilhões, enquanto cerca de R$ 240 bilhões foram destinados às plataformas de apostas. Entre os mais afetados estão beneficiários de programas sociais — em agosto de 2024, R$ 3 bilhões foram transferidos via Pix dessas famílias para sites de apostas. Quase 17% dos cadastrados no Bolsa Família jogaram, gastando em média R$ 100, valor que deveria cobrir necessidades básicas.

O resultado é aumento da inadimplência, orçamentos comprometidos e a ilusão de que apostar é “investir”. Entre famílias que ganham de 3 a 5 salários mínimos, a taxa de contas em atraso subiu de 26% para 29%, em parte pelo endividamento com jogos.

Do vazio regulatório ao controle estatal

Legalizadas em 2018, as apostas de quota fixa cresceram sem uma regulação clara, abrindo espaço para plataformas irregulares, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. A inclusão de jogos de cassino, como o “Tigrinho” e o “Aviãozinho”, ampliou ainda mais o problema. O novo marco regulatório (Lei 14.790/2023), válido a partir de 2025, impõe CPF e reconhecimento facial obrigatórios, proíbe bônus de entrada e crédito, exige domínio “.bet.br” e centraliza o monitoramento das transações. Apesar dos avanços, faltam medidas de proteção aos mais vulneráveis e restrições à publicidade.

O vício segue um ciclo conhecido: vitória, perda e desespero — fase em que o jogador perde o controle, se endivida e pode chegar à depressão ou ao suicídio. O acesso facilitado pelo celular e os algoritmos que estimulam o jogo reforçam os riscos e transformam as apostas em um problema de saúde pública.

Embora o setor prometa arrecadação e empregos, cresce a preocupação com o impacto social. O Brasil vive uma transição da lógica de proteção social para uma cultura de risco e especulação. Sem políticas de prevenção, campanhas educativas e redes de apoio, a legalização das apostas pode se tornar mais um mecanismo de exclusão disfarçado de oportunidade.

(*) Carlos Henrique é CEO da Sttart Pay, fintech especialista em pagamentos instantâneos via PIX. Além disso, possui 25 anos de experiência no mercado financeiro, Formado em Direito e Administração, é Mestre em Planejamento e Controle Societário, pela FAAP, Mestre em  Direito Penal, pela Damásio Educacional, e certificado ABT2 pela Associação Brasileira de Câmbio.

 

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