Agronegócio fortalece o Mercosul

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João Guilherme Sabino Ometto (*)

A posse de Javier Milei, da coalização Liberdade Avança, na presidência da República da Argentina, em 10 de dezembro, não deve ser tratada como obstáculo às relações diplomáticas e econômicas com o Brasil e os demais países integrantes do Mercosul. Ante as diferenças ideológicas, possibilitadas pela democracia, é determinante a prevalência do diálogo e do entendimento. Afinal, a agenda do bloco em 2024 é de alta relevância, incluindo a necessidade de implementar o acordo com a União Europeia, na qual, aliás, convivem governos de distintos matizes políticos, sem que isso comprometa seu bom funcionamento, o uso do Euro como moeda única e todas as regras de produção e comércio.

A importância de fortalecer o Mercosul como agente do desenvolvimento de seus signatários tem forte exemplo no setor agropecuário. Segundo relatório produzido em 2022 pelo Departamento de Temas Técnicos, Sanitários e Fitossanitários da Secretaria de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, em conjunto com a Adidância Agrícola em Buenos Aires, os nossos hermanos são uns dos cinco maiores produtores mundiais de soja, milho, semente de girassol, limão, pera e erva-mate. Também são líderes no cultivo de trigo na América do Sul e aumentaram de modo significativo as colheitas de soja. Na pecuária, a Argentina posiciona-se em quarto lugar no mundo, com três milhões de toneladas anuais de carne.

O Brasil é o quarto produtor de grãos, com 239 milhões de toneladas anuais, e o líder na exportação, assim como na plantação e comércio internacional de soja, tendo superado os Estados Unidos. O rebanho bovino nacional, o maior do mundo, registrou novo recorde em 2022, chegando a 234,4 milhões de cabeças, segundo dados da pesquisa Produção da Pecuária Municipal 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Em outra vertente crucial – a agenda do clima –, o Brasil vai se destacando na geração de energia mais limpa e de fontes renováveis, tendo, ao lado de seus parceiros do Mercosul, posição estratégica na transição à chamada economia verde. Indicador referencial disso é o etanol. Conforme a última projeção da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), deveremos produzir 33,8 bilhões de litros na safra 2023/24, sendo 27,7 bilhões de cana-de-açúcar, o que nos dá a liderança mundial no segmento, e 6,1 bilhões de milho.

Cabe lembrar, ainda, que, na Cúpula do G20, realizada em setembro último, em Nova Delhi, na Índia, foi lançada a Aliança Global para Biocombustíveis, visando aumentar sua produção e uso, com o propósito de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Liderado pelo país anfitrião do encontro, o Brasil e os Estados Unidos, os três maiores produtores, o novo organismo teve adesão inicial de 19 nações, dentre elas a Argentina. É mais uma pauta que nos une aos nossos vizinhos, onde o consumo de etanol em 2022 foi estimado em 1,1 bilhão de litros, volume recorde, segundo o escritório em Buenos Aires do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).

Outra questão relevante para o Mercosul é relativa ao fornecimento de adubos, cuja demanda tem sido atendida, mas enfrenta obstáculos ligados ao cenário geopolítico externo. Precisamos reduzir a dependência das importações, acelerando o Plano Nacional de Fertilizantes. Pondero que é muito distante o ano de 2050, conforme originalmente previsto, para sua plena concretização. O programa será uma contribuição significativa de nosso país ao bloco.

Também relevantes em termos da oferta de adubos e no aspecto ecológico são os bioinsumos, já produzidos por algumas propriedades rurais brasileiras para consumo próprio. São obtidos principalmente pela compostagem de esgotos e efluentes industriais e agropecuários. Trata-se de um processo perfeito de economia circular, pois resíduos que seriam passivos ambientais e/ou engrossariam o volume destinado aos aterros sanitários retornam ao ciclo econômico, gerando renda, empregos e investimentos. Temos grande potencial para aumentar sua produção e uso, ainda incipientes.

É pertinente ressaltar que os produtores rurais brasileiros, argentinos, uruguaios e paraguaios compartilham metas relevantes quanto à produção sustentável, aporte tecnológico e utilização mais racional de defensivos. Há conquistas expressivas nessas áreas, mas é preciso avançar ainda mais, inclusive no sentido de harmonizar os processos produtivos entre os países-membros do Mercosul. Nesse sentido, seria relevante a participação da Embrapa, referência mundial em pesquisa e inovação na área.

Fiz questão de sintetizar os dados e desafios do agronegócio no bloco para enfatizar sua força no atendimento às necessidades globais quanto à segurança alimentar, commodities, bioenergia e soluções para combater o aquecimento do planeta. Temos tudo o que a Terra mais precisa. Por isso, em vez das ervas daninhas de um eventual desentendimento político, devemos cultivar a cooperação, a sinergia e o respeito à diversidade, porque juntos somos muito mais fortes para proporcionar aos nossos povos o direito a uma vida melhor.

(*) João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos – EESC/USP), empresário e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).

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