A pandemia econômica das bets:  silenciosa, difusa e profundamente corrosiva

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 (*) Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

O crescimento explosivo das plataformas de apostas esportivas no Brasil deixou de ser um fenômeno marginal para se tornar um tema central de análise econômica. Longe de representar mera diversão, o mercado das bets já movimenta cifras gigantescas e produz efeitos diretos sobre o consumo, o endividamento e o equilíbrio financeiro das famílias.

Em 2023, o volume apostado no país foi estimado entre R$ 60 bilhões e R$ 100 bilhões, e, em 2024, as transferências via Pix para casas de apostas chegaram a R$ 21 bilhões por mês, segundo dados do Banco Central (BC).

Mais de 22 milhões de brasileiros, cerca de 13% da população adulta, apostaram nos últimos 30 dias, conforme levantamento do DataSenado. Esses números indicam uma pandemia econômica silenciosa: um volume colossal de dinheiro que não cria riqueza nova, não gera produção e não retorna integralmente à economia doméstica. Trata-se, em essência, de uma drenagem de liquidez do orçamento familiar para plataformas muitas vezes sediadas no exterior.

As consequências dessa distorção são perceptíveis em múltiplos níveis. No plano microeconômico, as famílias de baixa e média renda passam a destinar parte significativa de seus recursos às apostas, comprimindo o consumo cotidiano. Segundo estudo da PwC, para as classes D e E, as bets já representam 1,38% do orçamento familiar, podendo chegar a 5,5% dos gastos com alimentação. Isso significa menos dinheiro em circulação nos mercados locais, nas padarias, nos pequenos comércios e nos serviços que sustentam o varejo brasileiro.

A economia comportamental ajuda a explicar o fenômeno: o apostador médio é guiado por ilusões cognitivas como a falácia do controle e o otimismo ilusório, acreditando dominar o acaso e recuperar perdas.

O ciclo é autodestrutivo — ganhos eventuais reforçam a esperança, mas as perdas recorrentes geram endividamento e deterioram a capacidade de consumo. Como boa parte dessas operações ocorre fora do sistema financeiro formal, o impacto é de difícil mensuração, mas seus efeitos se manifestam gradualmente: aumento da inadimplência, retração do crédito produtivo e esvaziamento do varejo.

A resposta necessária é de natureza institucional e exige política pública articulada. A regulamentação estabelecida pela Lei 14.790/2023 é um passo inicial, mas insuficiente diante da magnitude do problema. É preciso ir além da arrecadação tributária e do controle formal do setor, promovendo ações de educação financeira, prevenção ao vício em jogos e restrição publicitária, especialmente em canais voltados a jovens e classes vulneráveis. Assim como ocorreu com o tabaco e o álcool, o país precisa reconhecer o caráter destrutivo das apostas digitais e tratar o tema como questão de saúde e estabilidade econômica.

Em síntese, o avanço das bets não simboliza prosperidade nem inovação financeira; representa a substituição do consumo produtivo por uma forma de especulação improdutiva, que corrói silenciosamente a base do crescimento nacional.

O dinheiro que antes sustentava a economia real, o comércio, os serviços e a produção, agora, é absorvido por uma engrenagem digital que concentra riqueza e dispersa miséria. O Brasil vive, portanto, uma pandemia econômica das bets: silenciosa, difusa e profundamente corrosiva, que ameaça o tecido social e o dinamismo do próprio capitalismo brasileiro.

(*) Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

 

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