JPA Agro analisa impactos do “tarifaço” e destaca como cenário internacional pode reverberar no Brasil
Da Redação (*)
Brasília – A recente decisão do governo Trump de impor tarifas de até 50% sobre produtos importados, incluindo a carne bovina brasileira, coloca em evidência a interdependência entre política, comércio exterior e agro. Isso mesmo. Embora os efeitos imediatos para o consumidor americano ainda sejam mais tímidos, especialistas alertam que a medida tem potencial de alterar as dinâmicas globais e impactar a competitividade do Brasil.
“Tarifa é imposto, e imposto é preço alto. Não existe almoço grátis na economia. Quando se cria uma barreira como essa, cedo ou tarde ela se reflete no preço final”, afirma Leandro Avelar, CEO da JPA Agro, maior marketplace agro do Brasil e referência em inteligência de mercado no setor.
Carne mais cara nos EUA: impacto limitado ao consumidor, mas pressão crescente no mercado
Dados do Bureau of Labor Statistics mostram que, nos últimos 12 meses, a carne bovina já subiu 7,2% nos EUA. Com as tarifas, especialistas projetam alta entre 15% e 20% até 2026. No entanto, o efeito inflacionário tende a ser diluído, já que a carne bovina representa apenas 0,5% do CPI (inflação oficial americana).
“Nos Estados Unidos, a carne pesa muito pouco no orçamento familiar. Para cada 1% de aumento, a inflação geral sobe apenas 0,05 ponto percentual. Já no Brasil, a carne bovina tem peso de 3,5% no IPCA. Isso mostra como os efeitos de preços são sentidos de forma completamente distinta nos dois países”, explica Avelar.
Ele destaca que, em média, uma família brasileira compromete mais de 5% de sua renda mensal com carne bovina, enquanto nos EUA o impacto gira em torno de 1,3%. “É por isso que aqui qualquer aumento é sentido de forma imediata e dolorosa, enquanto o americano consegue absorver mais facilmente. Estamos falando de uma renda per capita seis vezes maior lá do que no Brasil”, analisa.
Vale lembrar que a renda média anual dos americanos fica acima de US$ 60 mil, enquanto no Brasil, a renda per capita gira em torno de US$ 10 mil.
Reflexos no agro brasileiro podem ser o risco de perda de competitividade
Para o Brasil, maior exportador mundial de carne bovina, o “tarifaço” representa mais que um entrave comercial: é uma ameaça à competitividade. Além de reduzir margens, pode abrir espaço para concorrentes como Austrália e Argentina.
“Mesmo que o impacto direto para o consumidor americano seja pequeno, o reflexo para o produtor brasileiro pode ser significativo. Se o mercado americano encarecer a carne brasileira, a tendência é de perda de participação e de uma pressão ainda maior para buscar eficiência interna”, observa Avelar.
Um outro ponto de atenção levantado por Avelar é o peso da percepção pública. Ele compara com o caso do tomate no Brasil, produto que, ao oscilar, se torna símbolo da inflação:
“Se o aumento da carne cair no inconsciente popular americano, ou seja, se a população começar a repetir que a carne está cara demais, a pressão sobre o governo vai crescer e a tarifa pode entrar no centro do debate. Se isso não acontecer, dificilmente haverá uma revisão rápida da medida”, avalia.
Diplomacia e negociações separando política de comércio
Avelar reforça que a solução passa pela estratégia diplomática. Para ele, o Brasil precisa “colocar em caixas diferentes” as questões políticas e judiciais que hoje marcam a relação entre os dois países.
“O comércio deve ser tratado como comércio. Quando misturamos disputas políticas com pauta econômica, ambos os lados perdem. Os EUA são o segundo maior cliente do Brasil e o que mais deixa margens. É irracional colocar isso em risco”, destaca.
O dever de casa brasileiro na competitividade interna
Para além da geopolítica, a JPA Agro defende que o Brasil precisa atacar gargalos internos. Alta carga tributária, legislação trabalhista engessada e infraestrutura deficiente tornam o país menos competitivo globalmente.
“O problema não é só a tarifa americana. Precisamos olhar para dentro e reduzir impostos, modernizar leis, melhorar nossa logística. Só assim o Brasil poderá se abrir mais ao mundo e aproveitar oportunidades, em vez de se preocupar apenas com barreiras externas”, complementa Avelar.
É importante reforçar que o impacto das tarifas não se limita às grandes indústrias de carne. Pequenas e médias empresas exportadoras, que dependem fortemente do mercado americano, também podem enfrentar dificuldades caso a sobretaxa se prolongue.
“Temos clientes que exportam até 40% do seu faturamento para os EUA. Qualquer barreira tarifária pode comprometer de forma imediata sua operação”, alerta o CEO da JPA Agro.
Perspectivas futuras
Apesar do “tarifaço”, o cenário não é de retração imediata. A dependência americana de fornecedores externos e a eficiência produtiva do Brasil indicam que as exportações continuarão relevantes. No entanto, o ambiente exige cautela e inteligência estratégica.
“Se o aumento de preços não cair no inconsciente popular americano, dificilmente haverá pressão política para mudar. Ao contrário, se a carne passar a ser vista como ‘cara demais’ e esse discurso ganhar corpo, a tarifa pode entrar no centro do debate e abrir caminho para negociações. Até lá, o Brasil precisa se preparar e reforçar sua competitividade”, conclui o CEO da JPA Agro.