Silvano Boing, CEO da Global Foto Arquivo/Divulgação

Tarifaço do Trump: Quais foram os efeitos na economia depois do primeiro mês?

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Silvano Boing (*)

Passados mais de trinta dias após a entrada em vigor do tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros, começam a ficar claros tanto os efeitos imediatos sobre o comércio exterior quanto as repercussões indiretas nas finanças das empresas. Neste primeiro mês, o Brasil viu suas exportações para o mercado americano caírem significativamente, mas também testemunhou a resiliência da balança comercial graças à diversificação de destinos. Ao mesmo tempo, as pressões financeiras decorrentes da medida se propagaram pelas cadeias produtivas domésticas, trazendo à tona desafios para o crédito entre empresas e para o fluxo de caixa.

O primeiro impacto visível do tarifaço era mais que esperado. Houve queda das exportações brasileiras para os Estados Unidos. Em agosto, mês inaugural da tarifa adicional, as vendas aos norte-americanos recuaram 18,5% em relação ao mesmo período do ano anterior, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

Muitos setores sofreram reduções acentuadas e alguns produtos tradicionais da pauta exportadora, como minério de ferro, açúcar, aeronaves, carne bovina e aço semimanufaturado, registrando quedas que variaram de 23% a 100%. No caso do minério de ferro, por exemplo, não houve nenhuma venda registrada para os EUA em agosto, evidenciando o efeito imediato da nova tarifa para este setor. Mesmo itens não diretamente sujeitos à tarifa extra, como aeronaves, petróleo e celulose, apresentaram exportações bem menores.

Parte desse resultado pode ser reflexo de uma corrida para embarcar produtos antes da vigência do tarifaço, o que inflou artificialmente as vendas pré-tarifa e contribuiu para a queda brusca em agosto.

Balança comercial se mostrou resistente no primeiro mês

Por outro lado, apesar dos efeitos negativos do tarifaço, a balança comercial brasileira manteve-se positiva e até fortalecida, graças à capacidade de redirecionar produtos a outros destinos. De acordo com o MDIC, as exportações totais do Brasil em agosto cresceram 3,9% em relação ao período em 2024, impulsionadas por desempenhos excepcionais em mercados alternativos.

A China, que hoje é a principal parceira comercial do Brasil, ampliou suas compras em 29,9%, absorvendo parte dos produtos que antes teriam os EUA como destino. Já o México, que recentemente estreitou laços comerciais com o Brasil, importou 43,8% a mais em agosto. Também houve crescimento nas vendas para outros parceiros relevantes, como Argentina, Índia e Reino Unido. O resultado foi um mês com superávit comercial de US$ 6,13 bilhões, salto de 35,8% em comparação ao saldo de agosto do ano passado.

No entanto, essa redistribuição de exportações não elimina os efeitos setoriais desiguais nem as preocupações de longo prazo. Vale lembrar que os EUA são tradicionalmente um destino importante para bens manufaturados e agropecuários brasileiros de maior valor agregado. Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), 77,8% de toda a pauta exportadora do Brasil para os EUA passou a ficar sujeita a algum grau de taxação com o tarifaço, sendo que mais da metade dessas exportações enfrentará a alíquota máxima de 50%.

Alguns segmentos foram claramente mais penalizados do que outros. O agronegócio desponta como um dos mais prejudicados, já que pouquíssimos produtos agropecuários escaparam da lista de exceções nas tarifas. Itens de peso como café em grão, carne bovina, frutas e pescados, que juntos representavam cerca de 30% das exportações brasileiras aos EUA em 2024, estão agora majoritariamente taxados.

Isso significa perda imediata de competitividade nesses mercados. Exportadores de café e carnes, por exemplo, dificilmente podem absorver um custo 50% maior sem reduzir drasticamente suas margens. Muitos enfrentam o dilema entre cortar preços para manter contratos ou abandonar de vez o mercado norte-americano, perdendo receitas cultivadas por anos de esforço comercial. São alternativas extremas, que acabam resultando em uma drástica compressão do fluxo de caixa das empresas, com risco de provocar aumento da inadimplência nas cadeias de fornecedores.

Crédito B2B e fluxo de caixa nas cadeias produtivas

Os reflexos do tarifaço não param nas fronteiras do comércio exterior, eles se espalham internamente pelas cadeias produtivas, atingindo empresas que, à primeira vista, nada tinham a ver com exportações. O aumento abrupto de custos e a queda de receitas em setores exportadores romperam o equilíbrio econômico-financeiro de diversos contratos, expondo fragilidades em cascata. Mesmo negócios focados somente no mercado interno foram afetados, especialmente aqueles que fornecem insumos, serviços ou logística para as empresas exportadoras atingidas.

Quando uma exportadora vê seu produto encarecer 50% no exterior, ela pode cancelar pedidos, atrasar pagamentos a fornecedores ou renegociar prazos de entrega e, assim, o choque se transmite pela cadeia, da indústria de base ao transporte, do agronegócio ao varejo especializado. Em poucas semanas, esse desequilíbrio sistêmico pode se traduzir em suspensão de encomendas, retração de demanda e insegurança nos contratos ao longo de múltiplos setores.

Um dos efeitos mais preocupantes é o estrangulamento do crédito entre empresas e da liquidez nas operações do dia a dia. As exportadoras afetadas enfrentam um choque no capital de giro, pois, de repente, precisam de mais financiamento para bancar tarifas ou, alternativamente, sofrem queda brusca no faturamento ao perderem clientes nos EUA. Com margens comprimidas, algumas empresas já começaram a atrasar pagamentos para seus fornecedores de insumos, transportadoras e prestadores de serviços, colocando toda a cadeia produtiva sob risco de inadimplência em efeito dominó.

A estratégia mais sábia parece ser fortalecer a gestão financeira e a comunicação em toda a cadeia. Empresas saudáveis estão procurando oferecer condições de pagamento mais seguras aos seus fornecedores críticos, como, por exemplo, implementando arranjos de Supply Chain Finance (SCF) para evitar que falhas em elos menores interrompam sua produção.

Do lado dos fornecedores, recomenda-se intensificar a análise de crédito dos clientes e agir rapidamente diante de sinais de atraso. De acordo com o último IGR (Índice Global de Recuperação), levantamento semestral produzido pela Global com base em milhões de operações de cobrança B2B, até 82% das dívidas são recuperadas quando tratadas nos primeiros 10 dias de atraso. Depois de 180 dias, esse índice cai para apenas 12%. Ou seja, velocidade e proatividade na cobrança ou renegociação são vitais para evitar que um atraso vire um calote permanente.

Caminhos para superar tarifaço inclui diversificação e revisão de contratos

Passado o susto inicial desses 30 dias, empresas e formuladores de políticas no Brasil buscam estratégias para mitigar os impactos do tarifaço e preservar a vitalidade da economia real. No front governamental, uma das respostas imediatas foi o anúncio de um plano de contingência de R$ 30 bilhões em crédito para socorrer os setores mais atingidos.

Do lado empresarial, a palavra de ordem é adaptação estratégica. Não há espaço para uma postura passiva aguardando o problema se resolver por si só e o momento exige agilidade. Uma recomendação central é diversificar mercados e clientes, algo que as empresas exportadoras já vêm fazendo, com esforços para abrir ou expandir presença em outros países. Os resultados iniciais mostram que há caminhos alternativos para escoar parte da produção barrada nos EUA.

Outra frente de atuação é a revisão de contratos e modelos de negócio. Diante de oscilações tão bruscas, empresas estão renegociando cláusulas contratuais com parceiros para incluir gatilhos de reajuste de preços, mecanismos de revisão ou até compartilhamento de riscos cambiais e tarifários. Essa revisão contratual, apontada por especialistas jurídicos, é necessária para restabelecer um equilíbrio financeiro sustentável nas cadeias de fornecimento, prevenindo litígios e rompimentos unilaterais em massa.

Se há um lado positivo nesta adversidade, é a oportunidade de acelerar mudanças há muito necessárias, como diversificação de parceiros, modernização de modelos de negócio e maior cultura de gestão de riscos entre as empresas. Trinta dias após o tarifaço de Trump, o Brasil mostra resiliência, mas também expõe suas fragilidades.

As próximas semanas serão decisivas. A depender dos desdobramentos, o país pode sair deste episódio mais forte e preparado para os desafios da economia global. Por ora, o consenso entre analistas é claro: não há espaço para complacência. Os efeitos na economia real estão postos, e os desafios para o crédito interempresarial são reais. Com estratégia, cooperação público-privada e rapidez de reação, é possível contornar a tempestade tarifária e proteger a vitalidade das empresas brasileiras.

(*) Silvano Boing, CEO da Global

 

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