Bruna Puga (*)
A imposição de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros por parte do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reacendeu tensões comerciais e provocou uma resposta imediata do governo brasileiro, que ameaçou aplicar medidas retaliatórias amparadas na recém-aprovada Lei da Reciprocidade.
Mas o que está em jogo vai muito além do embate político entre governos: uma escalada tarifária tem efeitos concretos sobre preços, cadeias produtivas e estabilidade macroeconômica. E, mais uma vez, quem deve pagar essa conta é o setor produtivo, com destaque para as empresas de base tecnológica.
Diferentemente de setores tradicionais, que operam com cadeias produtivas amplamente diversificadas, o setor de tecnologia brasileiro ainda possui alta dependência de insumos, serviços e infraestrutura fornecidos por empresas americanas. Dados da Brasscom mostram que 60% das empresas de tecnologia no país utilizam serviços de nuvem de grandes corporações dos EUA, como Amazon Web Services, Google Cloud e Microsoft Azure.
A taxação de insumos importados, sejam eles softwares, servidores, componentes eletrônicos ou serviços especializados, pode gerar um efeito em cascata que encarece operações, reduz margens e compromete modelos de negócios já pressionados pela volatilidade cambial e pelo custo Brasil.
Em um momento em que o país tenta se firmar como polo de inovação na América Latina, medidas que encarecem o acesso a tecnologias estratégicas atuam na contramão do desenvolvimento. Startups e empresas de base tecnológica, que dependem de escalabilidade, interoperabilidade e serviços externos para operar, serão as primeiras a sentir os efeitos dessa nova pressão tarifária.
O risco, além do aumento de custos, inclui o desestímulo a investimentos internacionais, o congelamento de parcerias em curso e até mesmo a saída de grandes players do mercado brasileiro, preocupados com instabilidade regulatória e insegurança jurídica.
A retórica adotada pelo governo brasileiro para justificar eventuais retaliações é centrada na ideia de “defesa da soberania” e “reciprocidade comercial”. No entanto, a simetria jurídica não se traduz em simetria econômica. Enquanto os Estados Unidos mantêm uma posição dominante nas cadeias globais de valor tecnológico, o Brasil ocupa, em muitos casos, o papel de consumidor ou integrador secundário.
Medidas que visem retaliar empresas americanas podem parecer, à primeira vista, um ato de firmeza diplomática, mas o efeito prático tende a recair sobre empresas brasileiras que dependem dessas relações para operar com competitividade.
A Lei da Reciprocidade (Lei nº 15.122, de 11 de abril de 2025) foi pensada como um instrumento de proteção diante de práticas discriminatórias no comércio internacional. Contudo, seu uso como ferramenta de resposta política, e não técnica, revela um descompasso entre o objetivo original da norma e a condução atual da política comercial brasileira. Em vez de gerar estabilidade e previsibilidade, a retaliação inflamada tende a acirrar incertezas e comprometer ainda mais a posição do Brasil em cadeias globais que exigem cooperação, confiança e ambiente regulatório seguro.
Por outro lado, alternativas mais estratégicas já foram debatidas no próprio governo, como a proposta de redução de tarifas de importação de equipamentos tecnológicos prevista no Plano Nacional de Data Centers (ReDATA), apresentado em maio. O plano, que visa incentivar a instalação e modernização de infraestruturas digitais no país, aponta para uma abordagem mais pragmática e orientada ao desenvolvimento, capaz de mitigar a dependência tecnológica sem romper pontes comerciais. A adoção desse tipo de política industrial pode gerar efeitos estruturais positivos, inclusive no longo prazo.
O Brasil enfrenta, portanto, um dilema entre a reação impulsiva e a construção de um projeto consistente de autonomia tecnológica. Embora a retaliação imediata possa render dividendos políticos internos, seu custo econômico pode ser alto demais, especialmente em um setor que movimenta bilhões e é vital para o crescimento sustentável do país. Ignorar a complexidade das interdependências globais e tratar a economia como um campo de batalha ideológica enfraquece a posição do Brasil e compromete a confiança dos investidores.
Diante desse cenário, é fundamental que a política comercial brasileira seja guiada por critérios técnicos e responsabilidade institucional, e não por ideologias ou disputas de narrativas. A aplicação de instrumentos jurídicos criados para proteger o país deve estar alinhada à sua finalidade, e não ser conduzida de forma a ampliar a instabilidade.
Para o setor de tecnologia, o momento exige serenidade, articulação estratégica com parceiros e investimentos em infraestrutura e capacitação. O futuro da inovação no Brasil não pode ser decidido a partir de uma disputa de narrativas, mas sim por decisões que promovam estabilidade, competitividade e inserção global.
(*) Bruna Puga é sócia do escritório BP/F Advogados, especialista em contratos empresariais e estruturação de negócios. Para saber mais, acesse: https://bpflaw.com.br/