O que o cessar-fogo entre Israel e Palestina ensina sobre negociação nas empresas

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Giovanna Gregori Pinto (*)

  1. O recente cessar-fogo entre Israel e Palestina mostra como negociações complexas exigem diálogo, concessões e mediação. O que o mundo corporativo pode aprender com negociações tão delicadas em contextos de crise?

A negociação sob tensão exige canais abertos, ou seja, mesmo entre adversários, o diálogo contínuo evita colapso total. Nas empresas, cortar comunicação em crise só agrava o impasse.

As concessões mútuas também sustentam a paz, não a vitória unilateral. No trabalho, ceder parcialmente preserva relações e mantém aprendizado ativo.

Por fim, a mediação neutra é força, não fraqueza. Um líder ou RH que atua como facilitador, e não como juiz, destrava impasses com mais rapidez e legitimidade.

O objetivo real é estabilidade, não unanimidade. Nem toda negociação precisa gerar consenso, mas deve gerar convivência produtiva.

  1. No contexto corporativo, o que é mais importante em uma negociação: dados racionais ou construção de confiança emocional?

A prioridade depende do contexto, mas em relações frágeis, a confiança vem antes. Isso acontece porque sem segurança psicológica, ninguém escuta dados.

A emoção define se o outro percebe o dado como argumento ou ataque. Quando há confiança, até más notícias são negociáveis. Entretanto, em times maduros, onde já existe confiança implícita, dados podem vir primeiro, pois a base emocional já está sólida.

Dados convencem e confiança compromete. Negociações sustentáveis combinam ambos, nesta sequência contextual: ouvir, validar, informar e decidir.

  1. O cessar-fogo é muitas vezes um “acordo temporário” até que se avance em um diálogo mais profundo. No ambiente de trabalho, faz sentido construir acordos parciais ou temporários antes de chegar à solução definitiva?

Sim, e é prática recomendada. Inspirado no “cessar-fogo”, um acordo temporário reduz a tensão e cria espaço para reflexão, permite testar hipóteses antes de formalizar mudanças e dá tempo para reconstruir confiança.

As  condições de sucesso são: ter prazo definido (ex.: 30 dias), ter critérios de revisão (comportamentos, entregas, feedbacks) e ter propósito claro e testar o que é reversível e não adiar o inevitável.

  1. Quais são os principais erros que líderes cometem ao tentar “forçar a paz” em suas equipes sem tratar as causas do conflito?

Erros recorrentes:

  • Confundir silêncio com alinhamento: A ausência de conflito aparente não significa harmonia.
  • Impor soluções sem tratar causas: Resolver “o quê” sem investigar “por quê”.
  • Deslegitimar emoções: Ao dizer “vamos ser profissionais”, o líder invalida sentimentos legítimos.
  • Premiar quem cede rápido: Gera cultura de conformismo e ressentimento.

Para que isso não aconteça, abaixo deixo alguns antídotos:

  • Estimular conversas corajosas.
  • Mapear as dores reais (reconhecimento, poder, medo).
  • Reforçar comportamentos colaborativos, não apenas performance técnica.
  • Estruturar o conflito, não suprimi-lo: tensão saudável produz aprendizado, não ruptura.
  1. Em guerras, há perdas de confiança ao longo do tempo. Quando a confiança dentro de um time é quebrada, é possível reconstruí-la? Como?

Sim, mas exige tempo e coerência, não apenas discurso. Os passos para reconstruir a confiança de um time são: reconhecer o dano publicamente, cumprir microacordos de forma consistente, mostrar vulnerabilidade, recompensar comportamentos cooperativos e narrar os gestos.

Um exemplo disso foram os passos seguintes após a crise cultural da Uber em 2017. O novo CEO focou 12 meses em reconstruir confiança via novos valores e escuta ativa, antes de mudar a estratégia.

  1. Como adaptar estratégias de negociação a diferentes culturas organizacionais ou perfis profissionais?

Para startup builder, que preza velocidade e inovação, a estratégia são microacordos rápidos e decisões reversíveis. O desafio está nas discussões sem fechamento. No corporativo, que tem uma cultura hierárquica e de risco, a estratégia é baseada em dados, precedentes e consenso. O ideal é evitar um conflito direto. Na área técnica / engenharia, dá para usar critérios objetivos e clareza lógica, ignorando as emoções. E por fim, no setor criativo ou de produto, utilizamos narrativa e propósito, sem perder o foco prático.

Antes de negociar, observe como a organização reage ao erro e ao conflito. A cultura verdadeira aparece nas reações, não nos valores de parede.

  1. Que habilidades um líder precisa ter hoje para ser um bom negociador em tempos de pressão e escassez de recursos?

Top 5 competências:

  • Escuta sob pressão: manter calma mesmo em conversas difíceis.
  • Regulação emocional: controlar reatividade e empatia simultaneamente.
  • Storytelling de propósito: reenquadrar conflito em algo maior que o ego das partes.
  • Decisão incremental: avançar por testes e aprendizados, não por decretos.
  • Autenticidade estratégica: dizer a verdade com cuidado, não com dureza.

Duas dimensões:

  • Tática: regular emoções e ouvir.
  • Estratégica: redefinir o jogo para que todos possam vencer de forma sustentável.

(*) Giovanna Gregori Pinto – Graduada em psicologia pela PUC-Campinas, com MBA em gerenciamento de projetos pela FGV, Giovanna Gregori Pinto é fundadora da People Leap e referência em estruturar áreas de RH em startups de tecnologia em crescimento. Com duas décadas de experiência em empresas de cultura acelerada, construiu uma trajetória sólida em gigantes como iFood e AB InBev (Ambev). No iFood, como Head de People – Tech, liderou a expansão do time de tecnologia de 150 para 1.000 pessoas em menos de quatro anos, acompanhando o salto de 10 para 50 milhões de pedidos mensais. Já na AB InBev, como Diretora Global de RH, triplicou o time antes do prazo, elevou o NPS de People em 670%, aumentou o engajamento em 21% e reduziu o turnover de tecnologia ao menor nível da história da companhia.

 

 

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