Sistema de pagamentos instantâneos que inspirou o Pix brasileiro, o Unified Payments Interface tem mais de 700 milhões de transações por dia e será aceito até em outros países
Juan Soto (*)
Qual é o maior sistema gratuito de pagamentos instantâneos do mundo? Posso dar algumas dicas. No mês de agosto, bateu um recorde histórico ao processar 20 bilhões de transações financeiras. Criado pelo governo, foi adotado por bancos e fintechs. Simples, a ponto de permitir a escolha de chaves como email e número de telefone, fez a bancarização da população disparar – em especial, durante a pandemia. Última dica: seu nome tem três letras, entre elas P e I. Pix? Não exatamente.
Estamos falando do UPI — Unified Payments Interface, lançado na Índia em 2016 e que inspirou iniciativas no Brasil (Pix, em 2020), África do Sul (PayShap), México (DiMo) e Colômbia (SPI). Para o público brasileiro, observar a trajetória indiana é também vislumbrar o caminho que o Pix poderá seguir nos próximos anos.
O UPI não só transformou o comércio eletrônico e as transferências entre pessoas na Índia, como também abriu espaço para uma série de funcionalidades que, aos poucos, começam a aparecer em outros países. O Pix bebeu nessa fonte. A modalidade de pagamentos automáticos recorrentes, lançada no Brasil em 2025, já faz parte da realidade indiana desde 2020. Lá, usuários conseguem programar pagamentos regulares – de contas de serviços até assinaturas digitais – sem intervenção manual, algo que ainda engatinha por aqui.
Há também inovações indianas ainda inéditas no Brasil. Entre elas, o pagamento offline — pensado para regiões rurais sem conectividade — e o pagamento por comando de voz, que amplia a acessibilidade. Outro é o pagamento por comando de voz, que amplia a acessibilidade. Ambos apontam para uma direção em que os pagamentos instantâneos não são apenas mais rápidos, mas também mais inclusivos.
Essa antecipação tecnológica não se limita às funcionalidades. A Índia também avançou na internacionalização do UPI. O sistema já pode ser utilizado em países como Butão, Nepal, Cingapura, Emirados Árabes Unidos, Sri Lanka e França, resultado de acordos diretos entre governos e instituições. O Pix, por sua vez, também inicia sua trajetória internacional, ainda em caráter piloto e conduzida principalmente por soluções privadas, a expansão brasileira ainda aguarda um movimento coordenado de governo.”.
Esse contraste não diminui a relevância do Pix no Brasil. Pelo contrário: no mês de estreia (novembro de 2020), o sistema movimentou R$ 25,8 bilhões. Em junho de 2025, já eram R$ 2,86 trilhões — mais de cem vezes mais. Os brasileiros adotaram os pagamentos instantâneos num ritmo mais acelerado do que os indianos.
A rapidez das liquidações, o custo baixo por transação e a conveniência de uso explicam por que o Pix já supera cartões de crédito e débito em volume de operações. Mais que um sucesso local, ele se tornou um caso de estudo internacional sobre como a regulação pode estimular a inovação.
Segundo o Guia de Expansão Global para Mercados de Alto Crescimento lançado pela Nuvei, empresa global de pagamentos com presença em mais de 200 mercados, a Índia deverá ver os pagamentos instantâneos saltarem de 53% para 57% do e-commerce entre 2023 e 2027, enquanto no Brasil o Pix deve crescer de 33% para 51% no mesmo período. A tendência é puxada por populações jovens e digitalizadas, que pressionam por meios de pagamento mais ágeis, acessíveis e seguros. O sucesso do UPI e do Pix reforça essa leitura: a demanda por alternativas instantâneas é estrutural, não conjuntural.
A trajetória indiana funciona como um espelho para o Brasil. Funcionalidades que aqui ainda parecem futuristas já fazem parte do cotidiano indiano — do pagamento recorrente à aceitação internacional. Ao mesmo tempo, o avanço do UPI no exterior lança uma questão estratégica para o Brasil.
Se o Pix deseja se consolidar como referência regional, será preciso pensar em sua internacionalização de forma coordenada, indo além das iniciativas privadas que hoje permitem apenas a brasileiros pagarem compras em alguns países vizinhos. A expansão regional tem um papel geopolítico: países que exportam suas infraestruturas financeiras fortalecem laços comerciais e digitais.
Há, portanto, um paradoxo interessante. O Brasil é vitrine de inovação com o Pix, mas também pode ser aluno atento da Índia. O UPI mostra que pagamentos instantâneos não são um ponto de chegada, e sim uma plataforma em constante expansão. A cada nova funcionalidade, mais consumidores são incluídos, mais empresas se beneficiam e mais fronteiras se abrem. O futuro do Pix, em grande medida, já pode ser observado nas ruas, mercados e celulares indianos.
No fim, tanto UPI quanto Pix confirmam: os pagamentos instantâneos deixaram de ser apenas conveniência. Eles reconfiguram consumo, negócios e até geopolítica. Se o presente do Brasil é o Pix, o futuro já está desenhado na Índia.
(*) Juan Soto é General Manager para América Latina da Nuvei