São Paulo – O principal produto de exportação dos árabes ao Brasil, o petróleo, vem sendo duramente impactado em 2020. No primeiro semestre, os envios caíram 15% frente ao mesmo período de 2019. O setor é mais um dos que sofrem os efeitos da pandemia de covid-19, que tem como medidas de segurança o isolamento social e a redução da mobilidade. A tentativa de impedir o avanço da doença resultou em quedas significativas nas demandas de combustíveis e nos níveis de processamento do refino nacional.
O movimento atingiu diretamente a necessidade do tipo de petróleo produzido pelos árabes. “A pandemia refletiu nas importações brasileiras de petróleos árabes porque um dos principais objetivos da importação de óleo árabe é a produção de óleos básicos lubrificantes. Como o Brasil não é autossuficiente na produção de petróleos parafínicos destinados à produção de lubrificantes, há a importação recorrente de dois tipos de petróleos do Oriente Médio (o Árabe Leve, da Arábia Saudita e o Basra Leve, do Iraque), que são processados na Refinaria Duque de Caxias, no Rio de Janeiro”, explicou a diretora de Estudos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Heloisa Borges Bastos Esteves.
Essa matéria-prima vinda de produtores como os sauditas é utilizada por refinarias brasileiras e alimenta a indústria automotiva. Com menos mobilidade, caiu a demanda e os volumes processados nas refinarias ocasionando um decréscimo de 18% da produção de óleos básicos lubrificantes no país em comparação a 2019.
À medida que a compra de petróleo caiu, cresceram as vendas de fertilizantes importados dos árabes. Entre janeiro e maio a importação do petróleo árabe (US$ 690 milhões) chegou a ser ultrapassada pela de fertilizantes do bloco (US$ 778 milhões). “O setor agrícola vai de vento em popa. Mesmo na pandemia, a demanda por alimento cai pouco. Outro ponto é a desvalorização do real muito forte, muito acima de outras moedas. Está favorecendo a atividade rural. Então a demanda por fertilizante está tendo esse incentivo”, explicou o analista de Tendências, Walter de Vitto. Ele lembra que embora o fertilizante seja comprado em dólar, o produto é só uma parcela do custo, e portanto sua compra não onera excessivamente o produtor.
Para o cenário nos próximos meses, a diretora da EPE é otimista. “Embora a pandemia ainda represente impactos significativos na demanda de combustíveis, há perspectivas de melhorias nos próximos meses. No mês de junho foi possível notar uma recuperação dos volumes de processamento do refino nacional aos patamares observados no histórico. Estimamos que o impacto da pandemia no segmento de refino será menor do que na demanda de combustíveis, e que em 2021 já será possível observar um retorno do processamento de petróleo nas refinarias aos patamares de 2019”.
Pré-sal e produção brasileira
Há, entretanto, um movimento de longo prazo que também vem contribuindo para a queda na importação de petróleo. “A redução das importações brasileiras de petróleo dos países árabes, no primeiro semestre, foi consequência de dois movimentos: a redução do volume total processado nas refinarias em função dos efeitos da pandemia de Covid-19 e o decréscimo das contribuições dos petróleos importados, entre eles os árabes, no volume processado nas refinarias”, conclui Esteves.
A diminuição no uso de petróleos importados nas refinarias brasileiras tem no pré-sal um importante componente. “O Brasil passou a produzir petróleo mais leve com o pré-sal. Então, antes você precisava importar praticamente todo petróleo porque as refinarias do Brasil são, predominantemente, montadas para processar petróleo leve. Com essa emergência do pré-sal, as importações de petróleo leve, como o árabe, estruturalmente vêm caindo”, explica o analista da Tendências.
Enquanto globalmente os produtores enfrentaram um choque em meio à queda brusca da demanda, que chegou a ser de menos 25 a 30 milhões de barris por dia, Vitto explica que o Brasil teve queda na produção, mas não foi tão afetado. “O ajuste está vindo principalmente via importação. Não à toa os países árabes sentiram”, afirmou.
Frente à crise mundial, a estratégia foi de fazer cortes em campos menos competitivos. “O impacto na produção brasileira não foi tão grande. De outro lado, tem a produção do pré-sal crescente. Teve uma queda, mas não foi como em outros países porque você tem campos do pré-sal que são muito competitivos. Na verdade, projetamos na Tendências um aumento de produção nesse ano. O Brasil deve ser um dos poucos países que tem essa projeção de aumento”, explica ele, sobre o crescimento, que deve ser em torno de 6%.
A participação dos volumes importados no processamento das refinarias nacionais entre 2016 e 2019 teve oscilações, variando entre 9,2% e 11,0%. Já em 2020, essa participação foi reduzida, chegando a apenas 8,7% no primeiro semestre. Ainda assim, a diretora da EPE afirma que “não é possível afirmar que o aumento da produção do pré-sal está reduzindo a dependência de importações”
Esteves destaca que no caso específico da importação de países árabes há a particularidade da necessidade de importar petróleo parafínico para produção de óleos básicos lubrificantes.
Para os próximos anos, a EPE projeta uma importação nos mesmos patamares de 2018, quando foram produzidas 944,117 milhões de barris, e 2019, quando o Brasil produziu 1,018 bilhão de barris. “Sob a perspectiva de o Brasil tornar-se um grande produtor de petróleo, é possível, a partir da avaliação de aspectos técnicos, de mercado, econômicos e financeiros, que haja uma substituição das importações pelo uso de petróleos nacionais. Entretanto, esse movimento está no âmbito das estratégias empresariais das empresas refinadoras e será função de tratativas comerciais, dos preços e tipos dos petróleos produzidos domesticamente e das condições de fornecimento. Ou seja: o impacto final dependerá das estratégias de refino e estratégias comerciais das empresas”, pondera Esteves.
(*) Com informações da ANBA