Carlos Ottoni (*)
Desde que o governo dos Estados Unidos elevou para 50% a tarifa aplicada à maioria dos bens de origem brasileira, por meio de ordem executiva publicada em 30 de julho deste ano, o comércio mundial entrou em novo ciclo de reacomodação. A medida, justificada por Washington como questão de segurança nacional, entrou em vigor em 6 de agosto e veio acompanhada de uma lista de 694 exceções, preservando nichos relevantes das trocas bilaterais (como aeronaves e algumas cadeias de energia e insumos). O efeito imediato foi redirecionar demanda doméstica americana para fornecedores locais e obrigar exportadores brasileiros a recalibrar destinos, preços e estratégias comerciais.
No Brasil, os primeiros sinais de impacto apareceram rapidamente em setores mais sensíveis a custo e competição, como calçados, têxteis e parte do agronegócio processado. A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) projeta que, quase 80% das empresas exportadoras do setor serão afetadas, e admite que, em muitos casos, a operação aos Estados Unidos pode se tornar economicamente inviável sob a nova alíquota; dados de julho já indicam desaceleração nos embarques. Mesmo no agronegócio, em que algumas exceções aliviam a pressão (como suco de laranja), outros itens (café e carnes, por exemplo) passaram a enfrentar a tarifa cheia.
O ambiente ficou ainda mais desafiador com o fim da isenção de minimis para remessas de até US$ 800, que passou a valer em 29 de agosto deste ano e encerra a via rápida do comércio eletrônico internacional para o mercado americano. Operadores postais europeus já anunciaram suspensão temporária de envios aos Estados Unidos para se adequarem às novas regras.
Em paralelo, o governo americano ampliou tarifas de 50% em aço e alumínio para mais 400 categorias, em 19 de agosto, encarecendo insumos industriais e partes automotivas. O resultado prático é mais atrito regulatório e custos maiores em cadeias B2B (venda de empresa para empresa) e B2C (empresa para consumidor).
A resposta brasileira combinou diplomacia econômica e apoio doméstico. Em 13 de agosto, o governo anunciou um pacote de crédito de R$ 30 bilhões e medidas tributárias (incluindo ajustes no drawback) para sustentar empresas atingidas, ao mesmo tempo em que optou por não retaliar de imediato.
No plano multilateral, os Estados Unidos aceitaram o pedido brasileiro de consultas na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 19 de agosto, ainda que tenham invocado a exceção de segurança nacional. Esse duplo movimento busca amortecer perdas de curto prazo e ganhar tempo para a realocação comercial.
No quadro global, a OMC revisou em 8 de agosto sua projeção de crescimento do comércio de mercadorias este ano para 0,9%, acima do cenário anterior, mas alertou que o impacto pleno do protecionismo tende a enfraquecer a expansão em 2026 (1,8%).
O Fundo Monetário Internacional (FMI) mantém um pano de fundo de crescimento mundial próximo de 3,0% em 2025, mas destaca que tarifas, incerteza e custos logísticos seguem como riscos baixistas. Em outras palavras: 2025 tem mostrado resiliência pela antecipação de importações e por exceções setoriais, mas 2026 cobrará a conta se as barreiras persistirem.
Para os exportadores brasileiros, o caminho passa por diversificar destinos com melhor encaixe tarifário-regulatório (América Latina, União Europeia, Oriente Médio e Ásia), elevar produtividade e reduzir custo Brasil naquilo que está ao alcance (logística, energia, financiamento e gestão de riscos).
No curto prazo, vale explorar regimes aduaneiros especiais (como o drawback e entrepostos), rever formação de preço e Incoterms (Termos Internacionais de Comércio) diante do fim do auxílio de minimis, e acionar câmaras de comércio para inteligência de mercado e facilitação regulatória.
Em paralelo, é hora de segmentar portfólio (migrando parte do mix para nichos de maior valor) e fortalecer parceria com distribuidores e varejistas nos novos mercados-alvo. A reorganização do comércio mundial já está em curso; quem agir agora (com estratégia, dados e execução disciplinada) terá melhores chances de preservar margens, ganhar competitividade e abrir novas rotas de crescimento.
(*) Carlos Ottoni é sócio de tributos da KPMG.