O que garante a permanência desse modelo não é apenas a consciência ambiental, mas a lógica econômica
Aline Locks (*)
Na história da agricultura, e de qualquer atividade humana, os movimentos ocorrem em ondas. Algumas delas morrem na praia dos modismos. Outras, geram marés de mudanças.
O que vai diferenciar uma das outras é seu real impacto de longo prazo, capaz de transformar de forma permanente o modo de produzir, consumir e se relacionar com o mundo.
Vivemos uma era de hypes, de sucessos instantâneos, que são infinitos na sua curta duração. Desaparecem de forma tão espetacular quanto surgiram. O risco desses tempos é confundirmos com modinha aquilo que realmente veio para nos levar a um lugar melhor e que, por isso, precisa ser entendido e preservado.
Falemos, então, de agricultura regenerativa. O uso recorrente (às vezes indiscriminado) desse termo pode dar a muitos a sensação de que estamos diante de mais um fogo de palha, que vai queimar recursos de muita gente, mas, que, ao final, pode entregar não mais que cinzas. Na essência, o modelo regenerativo reúne práticas de manejo que restauram a fertilidade do solo, aumentam a biodiversidade, melhoraram o ciclo da água e reduzem emissões. Vai além da “sustentabilidade” no sentido de preservar: ela busca regenerar sistemas produtivos, tornando-os mais resilientes e rentáveis.
Na prática, isso significa rotação diversificada de culturas, integração lavoura-pecuária-floresta, redução do uso de agroquímicos, plantio direto com cultura de cobertura, recuperação de pastagens degradadas e incremento de matéria orgânica no solo.
Assim como, no passado, passamos por revoluções tecnológicas que ampliaram a produtividade da nossa agricultura, agora vivemos uma transformação orientada pela resiliência e pelo equilíbrio ecológico. O que garante a permanência desse modelo não é apenas a consciência ambiental, mas a lógica econômica. A agricultura regenerativa nos proporciona solos mais férteis, menor dependência de insumos externos e sistemas de produção mais estáveis frente às mudanças climáticas.
São ganhos estruturais que não desaparecem. Ao contrário, eles se acumulam — e é isso torna a regeneração uma estratégia de longo prazo.
Valorização ao longo da cadeia e oportunidades
É justamente a percepção de que há algo realmente valioso por trás da agricultura regenerativa que a torna, paradoxalmente, tão suscetível ao rótulo de modinha. Primeiro, instala-se uma corrida do ouro, com muito garimpo e promessas vazias. Somente chegará ao filão quem for mais fundo, além dos selos e narrativas. A valorização da agricultura regenerativa acontecerá para aqueles que souberem integrar métricas de impacto às transações econômicas que ocorrem ao longo da cadeia.
Hoje já temos ferramentas para precificar carbono, mensurar biodiversidade e associar crédito rural a critérios socioambientais. Oportunidades concretas surgem quando esses indicadores passam a influenciar preços, condições de financiamento, apólices de seguro, contratos de fornecimento e outras relações envolvendo produtores, indústria e mercado financeiro.
De acordo com a Markets and Markets, o mercado global de práticas regenerativas foi estimado em cerca de USD 8,7 bihões em 2022, com projeção de atingir USD 16,8 bihões em 2027. Entre os principais fatores que impulsionam esse crescimento estão: a maior conscientização sobre os impactos da agricultura convencional, a demanda de consumidores por alimentos com menor pegada ambiental, os avanços tecnológicos — especialmente no uso de insumos biológicos, como micro-organismos para fixação de carbono — e o compromisso assumido por grandes empresas globais, como Cargill, Nestlé, General Mills e Unilever.
O momento atual abre a chance de o Brasil se posicionar como protagonista global. Com seu potencial produtivo e biodiversidade, o país pode transformar a regeneração em marca registrada da sua agricultura. Mais do que uma exigência, é uma oportunidade única de liderar o mundo em alimentos de baixo carbono e impacto positivo. Quem investir hoje estará definindo o padrão de amanhã.
(*) Aline Locks é engenheira ambiental, cofundadora e atual CEO da Produzindo Certo, solução que já apoiou a maneira como mais de 6 milhões de hectares de terras são gerenciados, através da integração de boas práticas produtivas, respeito às pessoas e aos recursos naturais. Liderou projetos com foco em inovação e tecnologia, como o ‘Conectar para Transformar’, um dos vencedores do Google Impact Challenge Brazil. Recentemente foi selecionada pela Época Negócios como um dos nomes inovadores pelo clima, é uma das 100 Mulheres Poderosas da revista Forbes e uma das líderes do agronegócio 2021/2022 pela revista Dinheiro Rural.