Taxa mundial de carbono no setor marítimo deve impulsionar corrida por descarbonização e abrir janela de oportunidades para combustíveis renováveis
Da Redação (*)
Brasília – Pela primeira vez, o transporte marítimo será regulado por uma taxa internacional de carbono, com início da cobrança previsto para 2027 e pagamento a partir de 2028. A medida integra uma meta ambiciosa: reduzir em 50% as emissões de gases de efeito estufa (GEE) no setor até 2035 e zerá-las até 2050. Os detalhes do acordo devem ser definidos em outubro deste ano, em nova reunião da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês).
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) entende que esse é um passo relevante para impulsionar a transição energética global. Dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, na sigla em inglês) apontam que mais de 80% do comércio mundial trafegue pelo mar. A IMO estima que a modalidade responda por 3% das emissões globais de CO₂. A medida pode incentivar a substituição do uso de combustíveis fósseis por renováveis pela frota naval, mas também impõe desafios à indústria.
“Por um lado, a mudança pode representar uma janela de oportunidade para o Brasil, grande produtor de biocombustíveis. Por outro, é preciso definir detalhes de como as medidas serão aplicadas para que não agrave desigualdades econômicas e comerciais entre países ricos e em desenvolvimento”, avalia Jefferson Gomes, diretor de Desenvolvimento Industrial da CN
Na Europa, que abriga importantes portos e está mais próxima de grandes centros de movimentação de carga, como o Oriente Médio e a Ásia, há um alto investimento em rotas tecnológicas mais sustentáveis, incluindo o uso de navios com baixa emissão de carbono.
Por isso, o impacto de eventuais cobranças tende a ser menor. Por outro lado, países como o Brasil, que enfrentam longas distâncias nas exportações e trabalham com cargas de menor valor agregado, devem sofrer um aumento significativo nos custos logísticos.
“Sem mecanismos de compensação ou apoio à adaptação, corremos o risco de aprofundar ainda mais as desigualdades econômicas e sociais no comércio internacional”, afirma Gomes.
Ele explica que essas medidas também refletem interesses geopolíticos das potências industriais historicamente consolidadas. Países desenvolvidos, como os da União Europeia, usam o discurso da sustentabilidade para impor barreiras não tarifárias a produtos de nações emergentes, como Brasil e China.
“Ao elevar os custos de exportação com exigências ambientais rigorosas, esses blocos protegem seus mercados internos e reforçam sua influência econômica global”.
Oportunidade para o Brasil com biocombustíveis
Apesar dos desafios, o Brasil também tem uma oportunidade estratégica diante da transição energética global. Com uma das matrizes elétricas mais verdes do mundo e uma longa trajetória de inovação em biocombustíveis, o país reúne condições únicas para se tornar fornecedor estratégico de alternativas sustentáveis como etanol, biodiesel, SAF (combustível sustentável de aviação) e combustível renovável marítimo, ainda em fase de desenvolvimento, mas já considerado promissor para reduzir a emissão de gases de efeito estufa da navegação.
No entanto, um dos entraves é a persistência de mitos sobre a disputa de território para a produção de biocombustíveis e a de alimentos, apesar de a ideia já ter sido refutada por estudos técnicos de entidades como a Agência Internacional de Energia (AIE) e pela própria experiência brasileira.
A maior parte do etanol, por exemplo, é produzida a partir da cana-de-açúcar, com alta produtividade e em áreas que não concorrem com lavouras de grãos ou alimentos básicos. “Além disso, há avanços expressivos no uso de resíduos agrícolas e industriais para a produção de biocombustíveis de segunda geração, o que reduz ainda mais qualquer impacto sobre terras aptas ao cultivo”, complementa Gomes.
Com a taxação climática em contagem regressiva, ele reforça a importância de o Brasil articular políticas industriais e comerciais para evitar penalizações desiguais e aproveitar a janela de oportunidade como potência verde no novo mapa logístico global.
“Essa transição tem potencial de contribuir com o clima enquanto promove desenvolvimento econômico, aumento de renda e fortalecimento de cadeias produtivas sustentáveis no Brasil”, conclui.
(*) Com informações da CNI