Thiago Carvalho (*)
Após mais de duas décadas de negociação, foi anunciada a conclusão do acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia (UE). O tratado é um pilar fundamental dentro da estratégia de promoção de uma maior abertura e inserção internacional da economia brasileira, pela sua grandeza ao abranger uma população de mais de 700 milhões de pessoas e por concentrar cerca de 25% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial.
Agora, para que o acordo entre vigor, cinco etapas devem ser cumpridas. A revisão legal, que consiste em uma verificação jurídica a fim de assegurar a coesão e a correção linguísticas. Depois, será feita a tradução para os 23 idiomas oficiais da UE e para as duas línguas oficiais do Mercosul. Na sequência, ocorrerá a assinatura, prevista para o segundo semestre de 2025.
A quarta etapa é a de internalização, em que os dois blocos seguirão os trâmites internos para a aprovação do acordo. No caso brasileiro, o Poder Executivo encaminha o texto para aprovação do Congresso Nacional, enquanto na UE precisará ser aprovado por 65% do Conselho Europeu, representando 55% da população dos países integrantes — e por maioria simples do Parlamento Europeu. Na última etapa, as partes confirmam, pela ratificação, o compromisso de cumprir os termos do acordo.
Aqui, o aspecto positivo é que o texto prevê a vigência bilateral, ou seja, caso a UE ratifique o acordo, o Brasil ou qualquer outro país do bloco que já tenha concluído esse processo poderá aplicar os termos do acordo em suas relações comerciais. Em outras palavras, caso o Brasil avance na ratificação do acordo, não será necessário aguardar Argentina, Paraguai e Uruguai para que o acordo entre em vigor.
Em relação ao comércio de bens, o texto prevê uma ampla liberalização tarifária, com desgravação imediata ou linear ao longo de prazos que variam entre 4, 8, 10 e 15 anos. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores (MRE), “essa oferta cobre aproximadamente 91% dos bens e 85% do valor das importações brasileiras provenientes da União Europeia”. Do lado europeu, a oferta é ainda mais abrangente, com desgravação imediata ou linear em prazos de 4, 7, 8, 10 e 12 anos, contemplando aproximadamente 95% dos bens e 92% do valor das importações europeias de bens brasileiros.
Vale destacar que o acordo vai muito além de aspectos tarifários. O capítulo sobre facilitação de comércio tem os objetivos de reduzir custos, simplificar processos e promover a integração de sistemas (como o Portal Único) e o reconhecimento mútuo dos programas de Operador Econômico Autorizado (OEA). O capítulo de medidas sanitárias e fitossanitárias visa trazer mais transparência e previsibilidade às exigências. O de serviços e investimentos, por sua vez, trará mais segurança jurídica.
Há também capítulos sobre compras governamentais; propriedade intelectual, com o reconhecimento de indicações geográficas como “cachaça” e “canastra”; Pequenas e Médias Empresas (PMEs) que estabeleçam programas de capacitação, parcerias e participação em licitações públicas, ampliando e facilitando a sua integração às cadeias globais; entre outros pontos.
Assim, não há dúvidas de que o acordo é muito bem-vindo e será uma alavanca de crescimento da economia brasileira nas próximas décadas. Entretanto, é importante destacar dois pontos, cuja negociação já havia sido encerrada em 2019 e que foram reabertas no ano passado, em que a avaliação inicial é de retrocesso. O primeiro é o capítulo de compras governamentais, encarada pelo governo “como um instrumento de política industrial e desenvolvimento econômico”, conforme consta em nota do MRE, que acabou resultando em uma posição protecionista quanto às compras realizadas pelo Estado, excluindo do acordo, por exemplo, as transações realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A avaliação é negativa, pois acordos internacionais de compras governamentais, além de propiciarem os benefícios de uma economia mais aberta (redução de custos, aumentos da produtividade e da competividade, avanços tecnológicos etc.), resultam em melhorias do processo de compras públicas e mais credibilidade e transparência, tornando-se uma ferramenta anticorrupção.
Outro retrocesso foi o tratamento diferenciado para o setor automotivo, que terá um período mais longo de eliminação tarifária e a criação de uma salvaguarda para a atividade — que, ainda que seja protegida há, pelo menos, 50 anos, não houve ganhos de competitividade e produtividade nesse período. Assim, esse protecionismo excessivo continuará penalizando o consumidor brasileiro, que não terá acesso a modelos de automóveis de melhor qualidade e maior conteúdo tecnológico.
A experiência internacional nos mostra que a abertura comercial é o caminho para reduzir o custo Brasil, além de expandir a produtividade e a competitividade no País, beneficiando os consumidores e o setor produtivo, com os objetivos de gerar renda e emprego, aumentar a eficiência alocativa dos recursos e permitir acesso a produtos mais baratos e tecnológicos, além de propiciar ganhos de escala, elementos fundamentais para alcançar um crescimento econômico sustentável em longo prazo.
Nesse contexto, o acordo entre Mercosul e União Europeia deve ser celebrado. Ainda, espera-se que os dois blocos priorizem sua ratificação. Para o Brasil, além de estreitar a relação com o nosso segundo maior parceiro comercial, esse fato novo pode fazer com que outras negociações em curso avancem de maneira mais rápida.
(*) Thiago Carvalho, Economista, Assessor da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo