O governo brasileiro demonstra colocar o continente entre os destaques de sua agenda. Já um reflexo positivo nos negócios com os africanos necessita de conhecimento e planejamento.
Rodrigo Solano (*)
“A África está mudando tão rapidamente que fica difícil de ignorar”. É o que já dizia a revista The Economist em março de 2020 (link). E acrescentava que: “Um rápido crescimento econômico e mudanças sociais dariam ao continente uma maior atuação no mundo”. Três anos depois, a revista World Finance afirma em matéria: “O Brasil está de volta” (link). A abordagem de ambos os títulos parece predizer a atual atuação do Brasil que demonstra ansiar mais influência global colocando a África de volta ao foco.
Não há dúvidas que o continente africano é o mercado das oportunidades. Já foi no passado e demonstra sê-lo tanto no presente quanto no futuro. Árabes e europeus já estabeleciam importantes laços econômico e culturais com impérios e reinos africanos como Daomé, Mali, Suaílis, Congo etc., nas vésperas da “descoberta” das Américas, época em que o comércio exterior se intensificava. Hoje observamos movimentos semelhantes com novos protagonistas, com destaque para China que tem fortalecido suas relações com países africanos, tornando-se principal parceiro comercial de grande parte deles.
Se a África fosse um país, teria quase o dobro do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, por volta de US$ 3 trilhões em 2023 (Fundo Monetário Internacional), com um crescimento estimado mais de 4,3% em 2023 (African Development Bank), bem acima da média mundial, e com uma população de 1,2 bilhão de habitantes colocando-a entre as maiores do globo. Além disso, grande parte de sua população tem um diferencial em relação ao resto do mundo: tem um forte crescimento e é constituída majoritariamente por jovens, o que pode implicar em força de trabalho e crescimento de mercado.
Esse enorme mercado compra do mundo aproximadamente US$ 700 bilhões tendo como principais produtos importados o petróleo, maquinários, eletroeletrônicos, veículos, produtos agrícolas (cereais) e plástico e minério de ferro (Trade Map 2022). Seus principais fornecedores são China, Índia, Estados Unidos e França. O Brasil aparece na 14ª (desconsiderando países africanos) posição entre os fornecedores, exportando aproximadamente US$ 10 bilhões.
Na contramão, a África exporta US$ 662 bilhões com destaque para commodities como: petróleo, ouro (e outros materiais preciosos), minérios, cobre e veículos. As vendas internacionais têm como destinos principais: China, Itália, Índia, Espanha, França e EUA. O Brasil aparece na 19ª posição (desconsiderando países africanos) comprando um pouco mais de US$ 6 bilhões (Trade Map 2022).
Todavia, as oportunidades vão muito além desse retrato superficial. Além da complementaridade comercial potencial entre a África e o Brasil, com base nos principais produtos da balança comercial de ambos, existe possibilidade para muito mais. Isso engloba uma gama maior de bens, incluindo os de consumo.
Contudo, um desenvolvimento comercial mais saudável depende de um conhecimento mais profundo sobre a região. Não se pode obter fortes parcerias comerciais sem desenvolver relações e, para que estas existam, é preciso conhecer mais intimamente a África.
Quando se fala em África, alguma imagem com características bem delimitadas pode ser gerada na mente de empreendedores ainda não familiarizados com o continente. Mas o que mais pode ser característico dessa enorme região é justamente sua ampla diversidade em vários aspectos.
Muito distante da uniformidade, a África deve contemplar mais de 54 países, e digo “deve” pois alguns deles estão sob disputa e/ou processos que podem gerar separação. Entre os motivos para esses eventos está a grande diversidade étnica, relacionada sobretudo a grupos linguísticos e religiosos que reivindicam regiões que as fronteiras atuais não contemplam. Esse aspecto chama um outro: dentro de cada país é comum que existam diferentes etnias com seus costumes próprios que influenciam em maior ou menor grau as decisões de compra de bens.
É preciso primeiramente observar as leis, regulamentos e questões processuais de cada país. Depois podemos fazer uma releitura do mapa africano, a partir de uma perspectiva histórica e étnica, para que compreendamos melhor seus povos, culturas e costumes relacionados aos negócios. Árabes, amazigh, bantus, etíopes, mandês estão entre os diversos megagrupos que abrigam etnias mais específicas, cada qual com suas características.
A etnia, costumes e identidades tão valorizadas nos dias de hoje, na África, muitas vezes estão relacionados com as línguas faladas cujos nomes geralmente são o mesmo da cultura. Posso citar: árabe, mandê, amazigh, zulu, xhosa, iorubá, hauçá, suaíle, afrikaans etc. Tendo visitado países africanos em atividades de promoção comercial por diversas vezes, posso dizer que a interpretação imprecisa de cada grupo pode prejudicar as abordagens comerciais.
Por exemplo: o afrikaans ou africâner é a língua (e etnia) dos brancos, falada majoritariamente na África do Sul. Na prática, uma versão do holandês que evoluiu na região. Já no norte da África, existem os Árabes e os Amazigh, comumente chamados de berberes. Como o último termo vem da palavra bárbaro, é preferível evitar usar o termo ao se referir ao seu interlocutor da região do Magreb. Mais um exemplo é a Nigéria, maior economia e população da África. Sua população é dividida entre hauçás, igbos e iorubás entre diversos outros grupos. Os iorubás junto com os bantus congo-angolanos têm grande influência na cultura afro-brasileira, embora estejam longe de ser os únicos.
São muitos os exemplos a serem mencionados que remetem à essência, à magnitude e riqueza presentes na África. Mas esses apenas demonstram a importância de se conhecer melhor os povos e desenvolver relações. Não é em vão que atividades com esse fim devem ter continuidade a exemplo do Fórum Brasil Africa 2023, que acontecerá de 31 de outubro a 01 de novembro, uma ação da ApexBrasil em parceria com o Afreximbank e diversos outros organismos de grande envergadura.
Como costumo enfatizar em cursos e treinamentos para internacionalização, para qualquer região, conhecer mais intimamente a história, a geografia e a cultura africanas pode ser útil para compreender o mercado e identificar pontos em comum com os brasileiros de modo a criar empatia e estreitar os laços nas negociações.
E nesse aspecto, empresários brasileiros podem ter muitas vantagens, já que o Brasil é um país de grande composição africana em seu DNA. Para tal é preciso que se descubra, conheça e desenvolva um repertório para dar concretude às relações que já existem na nossa biologia e diversidade étnica para o intercâmbio comercial e cultural entre brasileiros e africanos.
(*) Rodrigo Solano – Professor e Especialista em Comunicação e Marketing Internacional – Think Global
Rodrigo Solano, Soluções para Internacionalização
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