Tensões comerciais com os EUA podem impulsionar parcerias entre o Brasil e a China, diz analista

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Oportunidades para o Brasil incluem as energias renováveis, dentre eles o hidrogênio verde, e a expansão do mercado de green assets, favorecido pelas regulamentações como a de carbono

Da Redação

Brasília – As recentes tensões comerciais entre Estados Unidos e China, impulsionadas por políticas tarifárias recíprocas, têm redesenhado o cenário econômico global. Neste contexto, o Brasil surge como um parceiro estratégico para a China, especialmente no setor de energias renováveis e no mercado de ativos ambientais. A crescente sinergia entre os dois países pode impulsionar investimentos, joint ventures e o desenvolvimento de um hub logístico para green assets no Brasil.

“Apesar do déficit crescente da balança comercial brasileira nas relações com os Estados Unidos, observamos uma grande oportunidade na economia real para expansão de parcerias entre empresas brasileiras e chinesas no setor de energias renováveis. Além disso, no mercado de capitais, há um claro hype de operações envolvendo ativos sustentáveis e green assets, um movimento que tende a se intensificar com o avanço das regulamentações ambientais no Brasil e no mundo, destaca o advogado Lucas Moreira Gonçalves, especialista em Mercado de Capitais e sócio do Martinelli Advogados, um dos principais escritórios de advocacia do País.

A presença chinesa no setor energético brasileiro tem se consolidado ao longo dos últimos anos. Entre 2007 e 2022, empresas chinesas investiram aproximadamente US$ 71,6 bilhões no Brasil, dos quais 45,5% direcionados ao setor elétrico. Destacam-se aquisições como a da CPFL Energia pela State Grid Corporation of China, bem como a compra das usinas de Jupiá e Ilha Solteira pela China Three Gorges (CTG). Além disso, a Energy China International anunciou investimentos de US$ 10 bilhões em projetos de transmissão e energia eólica no Brasil.

“A China já é um dos maiores players no setor de energias renováveis globalmente, mas sua capacidade produtiva ainda não supre integralmente sua crescente demanda energética. Isto abre uma grande janela de oportunidades para o Brasil, não apenas como receptor de investimentos, mas também como fornecedor estratégico de energia limpa para o mercado chinês”, diz Moreira.

O potencial dos projetos de hidrogênio verde

O setor de hidrogênio verde é um dos que mais chamam atenção. O Brasil possui um enorme potencial para se tornar um fornecedor global desse insumo, dada a sua matriz energética renovável e sua abundância de fontes hídricas. Empresas chinesas já demonstraram interesse em projetos de H2V no Brasil, como a parceria entre a BYD e a Shell, que estudam investimentos conjuntos na produção e exportação desse combustível sustentável.

“Com a China avançando em tecnologia e financiamentos, e o Brasil se consolidando como um grande produtor de energia renovável, estamos diante de um cenário ideal para um aumento expressivo de joint ventures entre empresas dos dois países. O mercado brasileiro pode absorver investimentos chineses e, ao mesmo tempo, fornecer soluções energéticas para a indústria chinesa”, ressalta Moreira.

A regulamentação do mercado de Green Assets no Brasil e o interesse chinês

A recente Lei nº 15.042/2024, que estabelece o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), criou um ambiente regulatório robusto para o mercado de ativos ambientais no Brasil. Esse marco legal permite a comercialização de Certificados Brasileiros de Emissão (CBEs) e Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVEs), ampliando as possibilidades de captação de investimentos.

“O Brasil agora conta com um mercado de carbono regulado, o que gera previsibilidade e segurança jurídica para investidores estrangeiros. Com isso, podemos nos tornar um grande hub logístico e receptor de investimentos em green assets, atendendo à crescente demanda global por ativos ambientais. O modelo ‘cap-and-trade’ já é uma realidade consolidada na Califórnia e na União Europeia, e agora passa a ser uma forte aposta no Brasil”, explica o sócio do Martinelli.

A regulamentação brasileira favorece a interoperabilidade com mercados internacionais, permitindo que créditos de carbono gerados localmente sejam reconhecidos globalmente. Isto é especialmente relevante para empresas chinesas, que buscam compensar suas emissões e aumentar sua presença em mercados sustentáveis.

“Com a interconexão entre o mercado brasileiro de carbono e os padrões internacionais, bancos e gestoras chinesas poderão investir diretamente em ativos ambientais brasileiros, o que fortalece ainda mais o fluxo de capital para o Brasil, beneficiando projetos locais e consolidando o país como um ator global na economia verde”, afirma Moreira.

Expansão do Mercado de Capitais e Green Bonds

Outro reflexo da crescente demanda por ativos sustentáveis é a expansão do mercado de green bonds no Brasil. Desde 2015, o País já emitiu mais de US$ 9 bilhões em títulos verdes, com forte participação dos setores de energias renováveis e preservação ambiental. A entrada da China neste mercado pode ampliar ainda mais essas emissões, dada sua estratégia de investir fortemente em ativos sustentáveis.

“Estamos observando um ciclo virtuoso onde investidores globais, incluindo players chineses, buscam oportunidades em green bonds brasileiros. Com o avanço da regulação e a credibilidade que estamos construindo no setor, a tendência é que mais empresas acessem esse mercado para financiar projetos sustentáveis”, enfatiza o sócio do Martinelli.

A estruturação de produtos financeiros lastreados em créditos de carbono também pode atrair mais liquidez ao mercado. Bancos brasileiros e internacionais já exploram a criação de fundos indexados a CBEs, o que amplia as possibilidades para investidores institucionais.

“A China tem um apetite crescente por ativos sustentáveis, e o Brasil tem condições de oferecer esses produtos de forma competitiva. Se soubermos estruturar bem esse mercado e fortalecer nossa regulação, podemos nos consolidar como um grande polo financeiro de green assets na América Latina”, destaca Moreira.

O momento atual, portanto, representa uma janela de oportunidade única para o Brasil ampliar sua relação comercial com a China no setor de energias renováveis e ativos ambientais. Com investimentos chineses crescentes, um arcabouço regulatório robusto e a demanda global por soluções sustentáveis, o País tem potencial para se consolidar como um grande hub de green assets e um polo de exportação de energia limpa.

Além disso, o avanço da regulamentação do mercado de carbono e da interconexão com padrões internacionais coloca o Brasil no radar dos grandes investidores globais. O aumento da emissão de green bonds e a estruturação de novos produtos financeiros atrelados a ativos ambientais reforçam esse cenário positivo.

“A guerra tarifária e o aparente aumento da tributação recíproca entre os Estados Unidos e países do BRICS, incluindo o Brasil, têm um lado negativo claro: o aumento do déficit da balança comercial brasileira com os EUA, somado à elevação de tarifas sobre aço e produtos agropecuários”, explica Moreira. No entanto, esse cenário não anula o potencial do Brasil em equilibrar sua balança comercial em outros mercados pujantes, como o de green assets e energias renováveis. “Os empresários e empreendedores brasileiros são conhecidos pela sua resilência e criatividade, logo, o Brasil tem todas as condições de transformar desafios em oportunidades e liderar a nova economia sustentável global”, finaliza o sócio do Martinelli Advogados.

 

 

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