AEB acompanha com apreensão o agravamento da crise econômica na Argentina

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Brasília – Com uma inflação na faixa de 100% ao ano, divisas em moedas fortes praticamente inexistentes, contração nas exportações agravada pela crise hídrica que atinge o país e causa fortes estragos nas vendas externas de commodities agrícolas, retração nas importações.

Esses são alguns fatores que levam o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, a classificar como de “penúria” a situação atual na Argentina. E o executivo arremata: “ao aumentar as exportações, o Brasil não só deixa de ajudar a Argentina mas estará contribuindo para  empurrar ainda mais o país vizinho para o precipício”.

Segundo ele, “A Argentina precisa importar mas não tem divisas. Quando tem divisas precisa obedecer um prazo de pagamento mínimo de 180 dias. Não existe solução mágica para a crise argentina. No caso específico do Brasil, se o país decidir conceder à Argentina um prazo superior a 180 dias {para pagamento das importações de produtos brasileiros}, isso fará com que chegará a hora em que a Argentina terá que importar mais, porque se estará gerando facilidade, e essa facilidade vai agravar ainda mais a situação”.

Na visão do presidente da AEB, em matéria de comércio exterior, o problema da Argentina se torna ainda mais grave porque o país não tem crédito, “ainda que os importadores argentinos possam ter”. E mesmo quando o crédito às importações existe, os importadores não têm como internalizar esse capital porque o governo argentino estabeleceu uma série de dificuldades para a importação dos produtos: “não tem nenhum fator que indique uma solução para os problemas da Argentina, algo que vá facilitar a importação e exportação para o Brasil”.

Falta de suporte do Brasil

Terceiro maior parceiro comercial do Brasil -atrás apenas da China e dos Estados Unidos- a Argentina deveria, na percepção de José Augusto de Castro, merecer uma atenção especial do Brasil visando fortalecer e ampliar o intercâmbio bilateral. Mas isso não vem acontecendo.

Segundo o presidente da AEB, “se analisarmos os anos a partir de 1990 e de 2000 em diante, não foi tomada {pelo governo brasileiro} nenhuma medida para tornar a Argentina mais atraente sem gerar dificuldades. O que estamos vendo hoje é uma tentativa de resolver um problema que a cada dia que passa se torna mais insolúvel, porque a Argentina precisa desesperadamente de divisas. Mas, quando analisamos a balança comercial do Brasil com a Argentina, verificamos que temos superávits recorrentes, enquanto o objetivo da Argentina é exatamente buscar saldos positivos no comércio com o Brasil. No fundo, {com sucessivos superávits} nós estamos ajudando a agravar a situação da Argentina”.

Ainda que de janeiro a maio deste ano duas commodities tenham figurado entre os cinco principais produtos exportados pelo Brasil para a Argentina, o país vizinho é o principal mercado para os produtos industrializados brasileiros, de maior valor agregado. No período, a soja liderou a pauta exportadora brasileira, devido à seca que dizimou a colheita argentina e fez o país dispender mais de US$ 1 bilhão com as importações da oleaginosa brasileira, um aumento estratosférico de 845% em comparação com o mesmo período de 2022. As importações de minério de ferro, o quinto item da pauta exportadora argentina em relação ao Brasil, somaram US$ 244 milhões até maio.

Excluídas as exportações atípicas de soja, os outros três de cinco bens líderes das vendas externas para o país vizinho foram partes e acessórios dos veículos automotivos (US$ 777 milhões e variação de 34,7% no período); automóveis (US$ 736 milhões e alta de 38,7%); e demais produtos da indústria de transformação (US$ 293 milhões, com uma retração de 11%).

O presidente a AEB reconhece a necessidade que o Brasil tem de manter e, se possível, ampliar as exportações de produtos industrializados para a Argentina, ainda assim ele reconhece que “se não encontrarmos uma solução por parte do Brasil será muito difícil”, sublinhando que por si própria a Argentina não tem condições de solucionar a grave crise que enfrenta.

China preenche lacuna deixada pelo Brasil no mercado argentino

Para ajudar o próprio Brasil {a exportar mais} e a própria Argentina, o Brasil teria que dispor de recursos para conceder linhas de crédito para a Argentina importar os produtos brasileiros com prazos mais longos de pagamento.

Ciente do problema, o executivo da AEB, coloca uma  questão: “quem daria essa linha de crédito no Brasil? No orçamento da União não existe dinheiro disponível para atender a esse tipo de demanda. Torna-se necessário encontrar uma forma através da qual a Argentina possa exportar mais para o Brasil e com isso, parte do que o Brasil importa de outros países poderia passar a comprar da Argentina”.

A falta de mecanismos financeiros de apoio às vendas argentinas é um dos responsáveis pelo avanço da China num mercado em que o Brasil figurou desde sempre como o principal fornecedor. Este ano, a China já superou o Brasil e se tornou o líder no ranking dos exportadores para os portenhos.

Segundo José Augusto de Castro, à medida em que a Argentina reduz as importações do Brasil, o país passa a comprar mais da China, substituindo os produtos brasileiros pelos bens chineses, o que é fortemente facilitado pelos créditos fornecidos pelo governo central de Pequim em condições vantajosas de custos e prazos, com as quais o Brasil não tem condições de competir.

Assim, a crescente presença chinesa na Argentina -a exemplo do que vem acontecendo com praticamente todos os países da América do Sul- se torna, na opinião do presidente da AEB, “uma realidade dura para nós, mas é uma realidade que daqui para a frente vai se transformar numa tendência, porque não é possível acreditar que a Argentina possa reverter sua atual situação da noite para o dia. Vai demorar um longo tempo de sacrifícios internos para que os argentinos possam fazer alguma coisa para mudar essa realidade”.

Créditos pela imagem: Foto: Márcia Foletto/Agência O Globo

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