José Ricardo dos Santos Luz Junior, CEO do LIDE China

“O Brasil age com pragmatismo e ao não aderir ao ‘Cinturão e Rota’ mostra aos EUA que não escolhe lado”, diz especialista

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Da Redação

Brasília – O presidente Donald Trump não tem motivos para exigir que o Brasil faça uma escolha entre os Estados Unidos e a China em suas relações políticas, econômicas, comerciais e de cooperação. Ao intensificar as relações com a China, o governo brasileiro age com pragmatismo e sem causar prejuízos ao relacionamento com parceiros igualmente importantes, como os Estados Unidos. Prova disso é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não aprovou a adesão do Brasil ao Projeto Cinturão e Rota, como era esperado pelo presidente chinês Xi Jinping. Sinergia é a palavra que une Brasil e a China.

Em síntese, essa é a opinião de José Ricardo dos Santos Luz Júnior, CEO do LIDE China e respeitado especialista nas relações sino-brasileiras: “em agosto de 2024 os dois países celebraram 50 anos de relações diplomáticas. Nesse intervalo de tempo, estreitaram esse relacionamento, e em 2012, a China considerou o Brasil um parceiro estratégico, abrangente ou global. Novo avanço nessa direção foi registrado em novembro do ano passado, com a elevação da parceria para a chamada “Construção de um Futuro Compartilhado China-Brasil Numa Nova Era para um Mundo Mais Justo e um Planeta Mais Sustentável”.

Segundo o especialista, esse título “pomposo” representa os pilares de inovação e sustentabilidade, que passaram a permear as relações bilaterais com vistas ao futuro. Segundo José Ricardo, “China e Brasil têm uma relação pragmática e economias complementares e essa relação avança a passos largos. Vide, por exemplo, a assinatura de 26 acordos durante a recente visita do presidente Lula à China, envolvendo investimentos da ordem de R$ 27 bilhões em diversos setores estratégicos para a economia e infraestrutura brasileiras”.

Com relação à decisão do governo brasileiro de não aderir ao “Cinturão e Rota”, o CEO do LIDE China destaca que “com a perspicácia habitual do Ministério das Relações Exteriores, o Brasil deixou claro que não escolhe lados. Ao invés disso, o Brasil preferiu destacar a importância da sinergia existente entre o país e a China. É uma sinergia entre as políticas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da Nova Indústria Brasil, do Programa de Reforma e Transformação Ecológica e das Rota Integradas Sul-Americanas, que têm sinergia com a Política de Cinturão e Rota da China. E o resultado disso não se refletirá apenas no intercâmbio comercial e uma parceria cada vez maior na parte de infraestrutura que passa a ganhar maior amplitude com a inauguração do Porto de Chancay, no Peru, que vai ter uma integração através da malha ferroviária que está sendo construída em território brasileiro”.

Relações avançam com a transferência de tecnologia

Para o especialista em assuntos da China, procurou desconstruir o mito de que a pauta exportadora brasileira para a China consiste apenas em commodities de baixo valor agregado: “estamos em uma nova era, numa evolução, quebrando essa mística de que o Brasil só exporta commodities. É verdade que o Brasil exporta commodities para a China e três delas, soja, petróleo e minério de ferro, representam aproximadamente 75% dessas exportações. Mas não se pode ignorar o fato de que dentro de commodities como a soja há muita tecnologia, assim como dentro de uma proteína animal há muito estudo genético. É também importante lembrar que a relação Brasil-China está passando por uma grande transformação, deixando de ser apenas uma parceria comercial, apesar de ela ter envolvido em 2024 uma corrente de comércio de US$ 159,4 bilhões, ela avança com a transferência de tecnologia em comunicação 5G, computação em nuvem, Inteligência Artificial, veículos elétricos, energia limpa, desde a hidrelétrica, solar e eólica, hidrogênio verde. Ou seja: estamos falando em transição energética e transformação digital”.

Mas o avanço das relações bilaterais não envolve “apenas” a transição energética e a transformação digital pelas quais o Brasil está passando com o apoio da China: “o Brasil tem três seguranças a oferecer à China: segurança alimentar; segurança energética atestada pelos elevados investimentos realizados no país pela State Grid, principalmente nas áreas de geração e transmissão de energia; e segurança mineral. Os minerais raros, por exemplo, são a base das baterias chinesas. Então, há uma possibilidade de transformação da indústria brasileira e uma industrialização verde através da logística. O Brasil quer fabricar aqui as baterias dos veículos elétricos chineses, além de receber as fábricas chinesas desses veículos. Hoje temos em andamento o projeto da BYD em Camaçari, na Bahia, e da Great Wall Motors, em Iracemápolis, no interior de São Paulo. Mais recentemente, a GAC anunciou investimentos de R$ 6 bilhões em uma fábrica, provavelmente em Goiânia. As demais fábricas chinesas se limitam a trazer seus veículos para o Brasil. Mas tudo leva a crer que esse oceano azul brasileiro vai acarretar num maior investimento dos chineses, num olhar com mais carinho para o país. Especialmente agora, com o tarifaço de Donald Trump”.

Fórum China-CELAC

O crescimento das relações entre a China e a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) foi outro tema abordado pelo CEO do LIDE China. De início, ele lembrou que em 2024, o comércio entre a China e os Estados Unidos totalizou US$ 688 bilhões, enquanto o comércio sino-brasileiro somou US$ 159, bilhões e as trocas entre os chineses e os 33 países da CELAC alcançaram a cifra de US$ 500 bilhões. José Ricardo também ressaltou que de 2000 a 2024, o comércio entre a China e a CELAC aumentou 40 vezes.

Nesse contexto, ele destacou a importância do Fórum China-CELAC, realizado no início do mês em Pequim, afirmando que a China tem relações “pragmáticas” com os países da região, “procurando sempre respeitar o que os chineses chamam de os cinco princípios da coexistência pacífica, que são o respeito à autodeterminação dos povos, a não intervenção em seus assuntos domésticos; reciprocidade; bilateralidade; e benefícios mútuos. Temos aí uma relação ganha-ganha, que permite à América Latina reescrever ou escrever o seu próprio destino, a sua própria história. O Fórum China-CELAC representa hoje 85% do Sul Global. Então, ter um fórum com 85% dos países do Sul Global é significativo e demonstra a importância que esses fóruns têm, pois neles são discutidas propostas para reformas do multilateralismo e da governança global, entre outros temas relevantes”.

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