Da Redação (*)
Washington – Mais um brasileiro assume o comando de um órgão internacional. O carioca José Sette inicia, em setembro, em Washington, o mandato de três anos como diretor-executivo do Comitê Consultivo Internacional do Algodão (ICAC, na sigla em inglês). A entidade funciona como um fórum para o intercâmbio entre governos, além de atuar como uma fonte de transparência no mercado, com estudos econômicos e estatísticas. Discutir a sustentabilidade da cotonicultura também faz parte da pauta.
Sette é administrador graduado em Yale, com mestrado em Washington, e troca o trade do café, onde atua desde 1979, pelo desafio de ocupar o posto mais alto no órgão de aconselhamento e análise do mercado mundial do algodão.
Enquanto não assume o cargo, Sette se aprofunda nas especificidades do mercado. O Brasil é um dos membros fundadores do ICAC e participa da entidade desde 1939. Na última década, o país saiu da condição de importador e passou a atender o mercado interno com excedentes para ocupar o quinto lugar na lista de maiores exportadores. Mas não se trata de uma posição segura. A área plantada oscila conforme o preço da commodity no mercado internacional e os números da produção flutuam.
No entanto, o próprio Sette não tem ilusões quanto a uma possível relação da presença brasileira no ICAC e o sucesso do mercado nacional do algodão. Seus planos são mais voltados ao fortalecimento da cadeia como um todo, como ele conta nessa entrevista exclusiva à DW Brasil.
DW Brasil: O senhor tem experiência em organizações internacionais de economia agrícola, mas vem do setor cafeeiro. Há uma relação entre a produção de café e a de algodão?
José Sette: Minha formação é em comércio internacional em geral, commodities em particular, sobretudo no café. Acabo de passar cinco anos na Organização Internacional do Café, que é uma coirmã do ICAC, então tenho uma bagagem de experiência com entidades similares.
Agora, se o café é igual ao algodão? Não. Cada cultura tem suas particularidades. O café é uma planta perene, é uma árvore que dura anos. Depois de plantada, o agricultor fica casado com a árvore por mais de uma década. Em contraste, o algodão é uma cultura anual. Então, se o preço não estiver bom, no ano seguinte o agricultor tem a opção de plantar outras culturas. A resposta aos estímulos de preço é muito mais rápida no algodão.
DW Brasil: O Brasil era um dos maiores importadores de algodão e chegou a questionar os subsídios norte-americanos ao setor. Na última década, porém, o país parece ter virado o jogo e se tornou um exportador do produto. O que aconteceu?
José Sette: O Brasil mergulhou a fundo na atividade de uma forma empresarial e bem técnica, usando toda a excelente base da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O Brasil sempre teve esse potencial, mas o algodão nunca foi um produto tradicional na pauta. Mas foi descoberto dessa forma muito profissional pelos agricultores. E o Brasil tendo essa vocação para a agricultura, foi natural que em pouco tempo, relativamente, chegasse a essa posição de destaque.
DW Brasil: Onde e quanto algodão se produz no Brasil?
José Sette: É mais no Centro-Oeste, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás. Tem muito na Bahia também. O algodão é uma planta que cresce nos trópicos e na faixa subtropical. Ele pega parte do Nordeste e do Centro-Oeste. O Brasil chegou a produzir quase dois milhões de toneladas no ano retrasado, mas isso foi em um tempo de preços muito favoráveis e que provocou uma reação grande da produção brasileira. Este ano está voltando para níveis mais normais em termos históricos.
DW Brasil: Esta previsão de recuo na safra de algodão deve alterar a posição do país no mercado internacional? Por que ocorre essa oscilação?
José Sette: O algodão é muito sensível ao preço. Por ter a produção anual, o produtor tem a opção de plantar outras culturas. Há dois anos, os preços bateram recordes históricos e isso foi um impulso muito grande para a produção do algodão. Agora os preços estão em níveis mais baixos, mas ainda assim bastante remuneradores. Então, estamos voltando a um nível normal de produção. O algodão é um dos plantios mais caros. Requer muito investimento em infraestrutura, maquinário de colheita e também na aplicação de defensivos e agroquímicos. Ele dá um retorno maior, mas ele exige um investimento muito maior também.
DW Brasil: O Brasil tem uma habilidade de adaptar sua produção agrícola conforme a variação dos mercados, optando por algodão, milho, soja… Isso é comum no mundo todo ou a agricultura brasileira tem características específicas?
José Sette: A questão não é ter flexibilidade ou não. O fato é que o Brasil tem uma vocação agrícola imensa, é um dos países mais competitivos no mundo em termos de produção agrícola. E seja qual for o produto, o Brasil tem chances de ser competitivo.
DW Brasil: A presença de um brasileiro no ICAC pode ser um incentivo para a produção de algodão no país?
José Sette: Isso seria superestimar a minha influência. O trabalho do ICAC é muito mais de propiciar um ambiente que ajude todo o setor cotonicultor mundial a crescer, a ter uma base mais ampla e progredir. Não é voltado especificamente para o Brasil. Agora, se no final do meu mandato, o Brasil tiver aumentado sua participação, sua relevância no mercado mundial do algodão, ficarei extremamente satisfeito. Mas isso não é o foco do trabalho. O foco é tentar ajudar todos os países do mundo.
(*) Com informações da Deutsche Welle Brasil