Da Redação (*)
Brasília – “Num primeiro momento, a China não deverá impor retaliações ao Brasil, mas pode vir a adotar um distanciamento gradativo que poderá prejudicar importantes setores da nossa economia, do agronegócio à infraestrutura. . Em meio a uma crise sanitária, econômica e política, o Brasil não está em condições de dobrar a aposta e provavelmente trabalhará por uma reaproximação silenciosa. Ainda há muitos dentro do governo que entendem a importância da China para o avanço dos interesses brasileiros”.
A afirmação foi feita pelo professor de Política Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV), Guilherme Casarões, ao comentar publição, pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, no Twitter, com referias “rascistas” e “xenofóbicas” associando a China à origem da COVID-19.
Para o professor de política internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV), Guilherme Casarões, nunca um presidente brasileiro escolheu alvos internacionais tão claros para agressões sistemáticas.
“Parece haver uma estratégia nessas agressões que atende aos interesses de setores do governo. Externamente, vemos uma tentativa mal-acabada de mimetizar a retórica de Donald Trump, mais uma vez ignorando as assimetrias de poder entre o Brasil e a China, nosso principal parceiro comercial”, afirmou o professor.
Casarões lembrou que tal estratégia tem um fundo ideológico, característico do grupo do governo conhecido no Brasil como “olavista”, ligado ao astrólogo Olavo de Carvalho, do qual fazem parte os ministros da Educação Abraham Weintraub, e das Relações Exteriores Ernesto Araújo, entre outros integrantes do governo. Casarões explicou que para este grupo a China é vista como ameaça à civilização ocidental, e o atual vírus seria parte de uma conspiração.
Para o professor e diretor adjunto de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Dawisson Belém Lopes, a tradição da diplomacia brasileira é acomodar-se às circunstâncias de forma inteligente.
“O Brasil hoje nas suas relações exteriores adotou um caminho de alinhamentos automáticos, sem levar em consideração interesses objetivos que estejam em jogo, o que tem guiado a relação com a China. No triângulo Brasil, Estados Unidos e China, existe um forte vetor ideológico que leva o Brasil a se aproximar dos EUA. Mas do ponto de vista material, o Brasil depende muito de suas exportações para a China. Curiosamente tem vencido um vetor mais ideológico”, avaliou Lopes.
Para o mestre em Política Chinesa na Universidade do Povo e mestrando em Economia na Universidade de Pequim, ambas na capital chinesa, Jordy Pasa, desde que o Brasil estabeleceu relações diplomáticas com a China, em 1974, a relação com Beijing foi de cordialidade. Ele lembra que a política externa brasileira é reconhecida pela regularidade e conteúdo de Estado, mesmo durante transições domésticas expressivas entre um governo e outro.
“A administração Bolsonaro, seja diretamente através do ministro das Relações Exteriores e seus subordinados ou do próprio presidente da República, seja indiretamente através de outros membros do governo e demais apoiadores, como é o caso de Weintraub e do deputado federal Eduardo Bolsonaro, representa uma ruptura e um dano inconsequente à essa tradição”, acredita Pasa.
China pede fim de acusações
A manifestação do ministro Weintraub recebeu dura resposta através de nota divulgaa na segunda-feira pela Embaixada da China em Brasilia, na qual a missão diplomática pediu que as acusações infundadas por parte de membros do governo fossem interrompidas. Ainda que, segundo Pasa, seja evidente que os ataques à China vêm de uma ala específica do governo e, reforça o pesquisador, a contragosto de outras, como a dos agropecuaristas e a dos militares, cabe ao Planalto garantir a unidade do governo.
“A Presidência é não somente responsável pelo comportamento de seus membros como também associada às declarações de seus aliados. Os danos infringidos aos laços com Beijing ainda não são irreparáveis. Entretanto, revertê-los exige que entendamos, de uma vez por todas, que nosso inimigo é o novo coronavírus, e não a China, nossa amiga, aliada de longa data, e que, portanto, merece ser tratada como tal. Para o Brasil, não há o que se ganhar com qualquer caminho que não esse”, indicou o pesquisador, também co-fundador do projeto Shumian, que analisa semanalmente os principais fatos relativos à China.
Para Lopes, trata-se de um governo disfuncional e sem coesão no Brasil, em que há uma ala ideológica que hoje é majoritária para assuntos de política externa.
“É uma forma que Bolsonaro encontrou de driblar dificuldades. Toda vez que alguém disse que no episódio envolvendo o filho Eduardo e China, que aquilo era uma afronta ao Estado chinês, o presidente poderá argumentar que não se trata de posição governamental, mas apenas da fala de um deputado. O mesmo vale para declarações de seus ministros. Então tal falta de coesão passar a ser conveniente”, avaliou o especialista.
Relações com a China
Para Casarões, o governo chinês reconhece a importância do Brasil como pilar de sua estratégia de segurança alimentar, além de agir com cautela no tabuleiro internacional.
“Não vejo retaliações diretas da China num primeiro momento, mas um distanciamento gradativo que poderá prejudicar importantes setores da nossa economia, do agronegócio à infraestrutura. Em meio a uma crise sanitária, econômica e política, o Brasil não está em condições de dobrar a aposta e provavelmente trabalhará por uma reaproximação silenciosa. Ainda há muitos dentro do governo que entendem a importância da China para o avanço dos interesses brasileiros”, avaliou o professor.
“Parece que (Jair) Bolsonaro se esforça para desqualificar o trabalho de seu ministro da Saúde, Henrique Mandetta, que já disse publicamente que a China é uma importante parceira no combate à COVID-19. Um efeito colateral dessas provocações é o risco ao agronegócio brasileiro, cujas exportações para a China ainda sustentam a economia brasileira”, afirmou Casarões.
Aos que se preocupam com o futuro das relações sino-brasileiras, segundo Pasa, resta esperar que a China identifique nestes desdobramentos recentes que estes são fruto de um governo fragmentado, em processo de enfraquecimento devido, dentre outros fatores, à resposta pífia à eminente crise com a pandemia da COVID-19.
“A China não está tremendamente incomodada pelas posições de alguém sem expressão internacional, como Weintraub, mas deixa um recado claro de respeito ao seu povo, a seu Estado e ao projeto de civilização que representa”, afirmou Lopes.
(*) Com informações da Xinhua