Da Redação
Brasília – O presidente Jair Bolsonaro terá amanhã (16) o primeiro grande teste de seu governo no contexto da agenda internacional: em horário ainda a ser definido, ele se reunirá com o presidente da Argentina, Maurício Macri, que chega hoje a Brasilia com uma comitiva de cinco ministros e uma série de assuntos espinhosos a tratar com o mandatário brasileiro.
Entre outros temas se destacam os problemas no intercâmbio comercial bilateral, o futuro do Mercosul e uma delicada questão política: a grave crise política, institucional e humanitária que devasta a Venezuela.
As dificuldades na área do comércio exterior preocupam tanto brasileiros quanto argentinos. Afinal, a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil (atrás apenas da China e dos Estados Unidos) enquanto o Brasil é o maior parceiro do país vizinho em todo o mundo.
Do lado brasileiro, as preocupações derivam da forte queda de 15,14% nas exportações para o país vizinho em 2018, queda puxada principalmente pela redução de 19,8% nos embarques de automóveis (item que representou 26% de todas as vendas brasileiras para a Argentina, principal destino dos veículos brasileiros no exterior). Em 2018, as exportações brasileiras totalizaram US$ 14,951 bilhões.
Do lado argentino existe um aspecto positivo e outro negativo. De positivo, o fato de que as vendas para o Brasil no ano passado cresceram 17,13% e somaram US$ 11,051 bilhões.A esse número se contrapõe o deficit da ordem de US$ 3,9 bilhões registrado pelo país nas trocas comerciais com o Brasil no ano passado. O saldo negativo é muito inferior aos estratosféricos US$ 8,184 bilhões de déficit amargado pela Argentina nas relações com o Brasil em 2017 mas ainda que bem menor, o saldo negativo deste ano é fonte de preocupação diante da grave crise que afeta a economia argentina.
Apesar dos problemas, o intercâmbio com o país vizinho tem diversos aspectos bastante positivos. Um deles reside na forte participação dos produtos industrializados no fluxo comercial bilateral. Nenhum grande parceiro comercial do Brasil compra tanto produto manufaturado brasileiro quanto a Argentina.
Em 2018, os embarques desses produtos de maior valor agregado geraram uma receita de US$ 13,54 bilhões, mesmo com a queda de 17,2% puxada pela retração nas vendas de automóveis. Apesar da redução, esses bens responderam por 90,5% de todo o volume negociado pelo Brasil com a Argentina.
A Argentina também tem no Brasil o maior cliente externo para seus produtos industrializados: 77,3% de todo o volume negociado com o Brasil envolveram esse tipo de bens e a receita alcançou a cifra de US$ 8,54 bilhões, com uma consistente alta de 18,4% comparativamente com os dados do ano passado.
Apesar desses números, a expectativa é de que o presidente Mauricio Macri e seus ministros (ele vem a Brasília acompanhado pelos ministros Nicolás Dujovne (Fazenda), Patricia Bullrich (Segurança), Dante Sica (Produção), Oscar Aguad (Defesa) e Jorge Faurie (Relações Exteriores) reforcem o interesse em relançar o intercâmbio comercial com o Brasil com o objetivo de fortalecê-lo mas, sobretudo, que esse comércio se assente em bases mais equilibradas.
As queixas argentinas em relação ao forte desequilíbrio nas trocas bilaterais têm fundamento. De acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia, de 2009 a 2019, o fluxo de comércio bilateral proporcionou ao Brasil acumular nesse período de dez anos um saldo superior a US$ 31 bilhões, déficit que o presidente Macri procurará mostrar ao seu colega brasileiro que a Argentina não tem condições de seguir suportando nos próximos anos.
Por isto, na visão argentina, promover a retomada do crescimento do comércio bilateral é de suma importância mas, muito mais importante ainda, é buscar fazê-lo em bases mais equilibradas.
Com relação ao futuro do Mercosul, os dois presidentes têm manifestado opiniões antagônicas. Enquanto a Argentina tem procurado sempre defender a importância do Mercosul e ressaltar a necessidade de se trabalhar pelo seu fortalecimento, mesmo reconhecendo a necessidade imperiosa de proceder algumas reformas em sua estrutura e forma de atuação, Jair Bolsonaro já antecipou que pretende incluir em seu discurso perante o Fórum Econômico de Davos, na próxima semana, referências em defesa de uma revisão do Mercosul antes de dar continuidade às negociações de um acordo de livre comércio com a União Europeia.
Bolsonaro e seus colaboradores mais próximos, entre eles o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmaram em mais de uma oportunidade que o Brasil pretende rever sua política comercial e defenderam uma ampla reforma do bloco pois, na opinião deles, o Mercosul jamais funcionou como área de livre mercado para o qual foi criado.
Na avaliação de especialistas em comércio exterior, a visita do presidente Maurício Macri é uma excelente oportunidade para que os dois principais integrantes do Mercosul troquem opiniões sobre o que seus países pretendem fazer para devolver o bloco à trajetória exitosa que trilhou num passado recente.
Segundo Renata Amaral, especialista em Comércio Exterior da consultoria Barral MJorge, “o Mercosul é extremamente importante, sobretudo para o Brasil. É vital hoje Talvez repensá-lo faça sentido, não desmontá-lo. Talvez possa ser repensado para que se torne mais efetivo. Mas volto a afirmar que o Brasil é o grande ganhador do Mercosul e o bloco não e culpado pelas mazelas brasileiras. O bloco em si tem, agora, decisões importantes a tomar. O que eu acho que pode acontecer é que exista flexibilização nas questões comerciais, que hoje são muito rígidas”.
A reunião deve incluir uma pauta que se estende de temas bilaterais e Mercosul (bloco que reúne Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, uma vez que Venezuela está temporariamente suspensa) às preocupações regionais com a Venezuela e Nicarágua.
A delegação oficial da Argentina reúne cinco ministros Nicolás Dujovne (Fazenda), Patricia Bullrich (Segurança), Dante Sica (Produção), Oscar Aguad (Defesa) e Jorge Faurie (Relações Exteriores).
De acordo com a Casa Rosada, a Presidência da República da Argentina, Macri e comitiva saem de Puerto Madryn (Chubut) hoje à tarde em direção a Brasília, sem escala na capital Buenos Aires.
Após o resultado das eleições, Macri foi um dos primeiros líderes estrangeiros a parabenizar Bolsonaro pela vitória nas urnas. Na ocasião, o presidente brasileiro agradeceu e retribuiu mencionando a parceria entre Argentina e Brasil.