O Brasil tem condições de se tornar uma potência global baseada em modelo de desenvolvimento sustentável e inclusivo
Brasília – As exportações brasileiras agregariam maior valor se o país aderisse a um modelo de desenvolvimento sustentável, adotando a sociobioeconomia, a valorização dos recursos naturais e das populações locais. É o que aponta a nota técnica do WWF-Brasil que reúne várias pesquisas sobre o tema. O documento evidencia que associando crescimento econômico, sustentabilidade e inclusão, o país tem chance de se tornar referência global na economia sustentável.
Ativos como açaí, castanha-do-pará, amêndoa do cacau e do cupuaçu, palmito, borracha, tucumã, cumaru, murumuru e óleo de castanha-do-Pará, que são parte da cadeia de sociobiodiversidade do Pará, podem alcançar o valor econômico de R$ 170 bilhões por ano. O açaí do Brasil vem ganhando destaque internacionalmente, principalmente nos Estados Unidos, Europa e Japão, e representa 85% da produção mundial.
Atualmente, ele é o produto florestal não madeireiro que gera o maior valor no país, chegando a US$ 134,6 milhões em 2020, levando-se em consideração apenas a produção do fruto in natura, o que pode aumentar em até 50 vezes quando processado industrialmente.
Os dados indicam que, por meio da sociobioeconomia, o Brasil teria condições de superar sua dependência de exportação de commodities e se tornar líder global na produção e exportação de produtos de maior valor agregado. Atualmente, a maior parte das exportações do país está associada a produtos de baixo valor agregado e alto custo ambiental.
Um panorama do comércio internacional brasileiro, de 2000 a 2020, evidencia que desde 2010, estamos vivendo um processo de reprimarização das exportações, com um aumento de bens básicos, notadamente commodities agrícolas de baixo valor agregado, como a soja. Esse padrão consolida a inserção do mercado brasileiro em níveis baixos nas cadeias globais de valor e, em longo prazo, reduz as possibilidades de desenvolvimento sustentável.
Para Mariana Napolitano, gerente de Conservação do WWF-Brasil, “o fortalecimento das cadeias produtivas da sociobiodiversidade além de ser uma ferramenta de combate às mudanças climáticas, atua para a valorização dos povos e saberes tradicionais”.
Segundo ela, a conservação não se opõe ao crescimento econômico, “o que propomos é a utilização eficiente das terras agricultáveis e um maior aproveitamento dos ativos da biodiversidade”, afirma a gerente.
Valorização da sociobiodiversidade
O país permanece num modelo de desenvolvimento baseado na produção e exportação de commodities agrícolas e minerais que contribuem para o desmatamento e para a perda de biodiversidade. É necessário mudar essa lógica.
O Brasil é conhecido por sua riqueza de espécies, mas também é notório em relação a sua sociobiodiversidade que envolve a relação entre a diversidade biológica, os sistemas agrícolas tradicionais (agrobiodiversidade) e o uso e manejo desses recursos junto com o conhecimento e a cultura dos povos indígenas, das populações tradicionais e dos agricultores familiares.
Adicionalmente, o fato de ser um dos países mais biodiversos do mundo e contar com capital humano altamente qualificado em universidades, institutos de pesquisa e laboratórios de empresas privadas representa uma enorme vantagem frente a outras nações.
Não há dúvida sobre o valor da floresta viva e em pé – estudos apontam que a Amazônia preservada rende ao Brasil R$ 7 trilhões, por ano. Apenas a utilização de ativos da biodiversidade amazônica em indústrias de alimentos, cosméticos e óleos gera atualmente US$ 3 bilhões anuais.
Um dos apontamentos citados na nota identifica que 12% da área da floresta Amazônica contêm altos valores para serviços ecossistêmicos, representando uma renda potencial de até US$ 737 por hectare e por ano. Além disso, essas áreas de alto potencial para aproveitamento econômico com alta rentabilidade também têm os maiores níveis de biodiversidade.
Insistência em modelo de baixo valor agregado
O Brasil mantém o investimento em produtos primários, o que limita a diversificação produtiva, aumenta a dependência da economia nacional em relação às exportações de commodities e se insere de forma pouco dinâmica nas cadeias globais de valor.
A nota alerta que embora o cenário atual seja favorável para o país, a reversão da tendência de aumento de preços das commodities pode expor a economia brasileira à instabilidade macroeconômica, com prejuízo em longo prazo para o desenvolvimento.
Outro aspecto que merece atenção é o fato de que apesar da notória liderança na produção de grãos, a maior parte da renda gerada pela cadeia produtiva da soja brasileira vai para as corporações estadunidenses, europeias e chinesas e os custos ambientais ficam apenas para o Brasil: o desmatamento atribuído à produção de soja, entre 2014 e 2018, no território nacional foi de 11,1 mil quilômetros quadrados, o que representa emissões de 510,5 Mt CO² equivalente.
Necessidade de Investimentos
Para a expansão sustentável é indispensável o desenvolvimento dos mercados. Para isso, faz-se necessário a liderança do Estado na criação de mecanismos de incentivo, regulamentações que assegurem os direitos e protagonismo dos povos originários e tradicionais, investimentos em infraestrutura, ciência e tecnologia, políticas industriais que contribuam para aumentar a competitividade nacional, desenvolvimento do aparato institucional para oferecer segurança jurídica aos investidores e ainda a remuneração justa e reconhecimento do diferencial dos produtos da sociobiodiversidade.
Na prática – Coleta de sementes alia restauração e geração de renda no Cerrado
Apesar do Cerrado já ter perdido quase metade de suas áreas de vegetação nativa, as espécies do bioma continuam sustentando famílias e comunidades. Recentemente, uma iniciativa da Associação Cerrado de Pé conseguiu gerar R$ 770 mil de renda para comunidades da Chapada dos Veadeiros nos últimos cinco anos, por meio da coleta de 29 toneladas de sementes.
“A cadeia da restauração é rentável e está se consolidando para ser cada vez mais. O Cerrado, um bioma tão especial, importante e estratégico para o Brasil, não pode ter só uma estratégia de conservação, precisamos urgentemente restaurar o Cerrado em larga escala”, afirma Thiago Belote, especialista em restauração do WWF-Brasil.
(*) Com informações do WWF-Brasil