Brasil e Oriente Médio

Compartilhe:

A forma que o Brasil se posiciona em relação ao conflito entre o grupo Hamas e Israel vai para além destes dois lados e pode ter impactos relevantes no comércio exterior nacional.

Rodrigo Solano (*)

Para nós, brasileiros, compreendermos de que forma o atual conflito pode influenciar nossa balança comercial, é preciso antes de mais nada estudar o contexto cultural da região, que influencia as relações políticas com desencadeamentos econômicos. 

A região e sua esfera de influência é um mercado muito importante para o Brasil. Mas mesmo com foco em comércio exterior, expressar um posicionamento adequado a respeito dos conflitos não é nada fácil. É preciso montar um quebra-cabeças com uma miríade de peças para depois tomar uma decisão. O que os porta-vozes do Brasil comunicam pode ter impactos nas nossas exportações e, consequentemente, na nossa economia. 

Primeiramente, a região possui localidades e monumentos sagrados para as três religiões ligadas a Abraão: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, cujos adeptos somados, chegam a, aproximadamente, 57% da população mundial, cada qual com várias subdivisões. Essa é uma representatividade mercadológica que não se deve ignorar. Além disso a localização é povoada por diversas etnias, cada qual com seus costumes, sacralidades e vínculos regionais, cujas desvinculações afetivas se tornam bastante improváveis. 

Soma-se a isso um dos piores crimes humanitários cometidos na Europa durante o regime Nazista. Esse fato deve ter contribuído para uma apressada decisão de criar um estado para o povo judeu, pelos ingleses, na época, tutelares da região. Um território habitado há milênios por muçulmanos, cristãos e inclusive judeus, majoritariamente árabes, foi escolhido para este novo Estado Israel. 

A imigração de um povo já traumatizado sem a definição efetiva de um Estado negociado e acordado com os locais, colocariam os judeus numa posição de vulnerabilidade. E com o tempo os locais palestinos passaram a sentir opressão em relação a Israel. 

Como consequência, as culturas entram em choque, com sentimentos negativos anabolizados, resultando em Partidos de Resistência, como o Hamas que iniciou os conflitos atuais através de um ataque terrorista cruel e devastador, resultando em respostas israelenses consideradas internacionalmente criminosas por afetar drasticamente a vida de civis palestinos, que muitas vezes também são vítimas do Hamas. Mas isso é o que recebemos através da mídia. Deve haver muito mais a ser compreendido. 

Dado este trágico cenário para ambos os lados é preciso lembrar que a Palestina é composta por árabes. E a criação da Liga Árabe, formada por 22 países de início, boicotam Israel, não o reconhecendo como estado. E é aqui que um importante mercado para o Brasil pode ser afetado por discursos mal planejados. Com uma população de mais de 460 milhões de habitantes, não é um mercado a ser desprezado. Vide arte:

Dependendo de como os conflitos evoluem, a Liga Árabe pode adotar políticas mais rígidas contra Israel, como sanções comerciais e outras. E quando se compara as compras árabes de produtos brasileiros com as de Israel, a situação obriga a nossa diplomacia ser bastante cautelosa. Isso sem contar as compras do mundo islâmico de países não árabes que se estendem pela África e Ásia, e se sensibilizam com a causa palestina.

Contudo, Israel tem fortes laços com judeus espalhados pelo mundo, sobretudo no ocidente, tendo considerável influência no mercado financeiro global com expressiva participação nos Estados Unidos. Isso poderia, hipoteticamente, agregar motivações ao apoio Norte-Americano (E.U.A.) a Israel. 

Não é o mesmo nível de prioridade no caso do Brasil, que deve traçar suas estratégias segundo as indústrias que compõem sua economia, seus interesses e seus valores, que incluem judeus e árabes no nosso DNA biológico, histórico e mercantil.  Pelo aspecto comercial, com um alto volume de exportações, principalmente do setor agrícola aos países árabes, não seria inteligente se posicionar de maneira agressiva contra aquelas nações. Da mesma maneira, seria trágico um posicionamento radical contra Israel ou a Palestina.

Aí vale ressaltar dois canais que comunicam nosso posicionamento e  predisposição para desenvolver bons relacionamentos com ambos os povos de modo que propicie um bom ambiente para negócios.  

O primeiro deles são os próprios interlocutores oficiais da nação. Tradicionalmente o posicionamento cauteloso e neutro do Itamaraty, seguindo a legislação internacional, obtêm ao país uma capacidade de interlocução com diferentes nações, algumas vezes em lados opostos em conflitos. E, recentemente a eficiência da atuação do Brasil em retirar seus cidadãos das zonas de conflito, tende a aumentar uma boa percepção internacional em relação ao país. 

Já o segundo diz respeito a nós empresários, que muitas vezes nos misturamos às opiniões públicas.   Vivemos uma realidade diferente da complexidade político cultural do Oriente Médio. Muitos de nós tende a simplificar posicionando um lado e outro quando na verdade aquele universo tem muitas nuances. 

E o pior que pode acontecer para a imagem de seu negócio, seja com israelenses ou com palestinos, potencialmente estendido ao mundo árabe é misturar o conflito com a polarização política, sobretudo se seu nome ou sua marca aparecem em publicações que podem ter interpretações que variam de falsas a discurso de ódio. Esse assunto é ilustrado pela Deutsche Welle no vídeo “A história por trás da polarização brasileira sobre Israel e Hamas” (clicar no link para acesso). 

As marcas devem ser simpáticas e provocar desejo de interação, sobretudo nas novas gerações. Em negócios internacionais é preciso manter a mente aberta, adquirir o que chamamos de inteligência cultural para planejamento de negócios internacionais sem pré-julgamentos. 

Se o posicionamento cauteloso do governo brasileiro tem sido percebido como positivo, marcas de organizações e empresas devem redobrar a estratégia, visando ganhos que beneficiem a todas as partes. Conhecer mais profundamente as diversas questões que envolvem os negócios no oriente médio, e outras regiões, merece dedicação, mas vale a pena e traz retorno. Como conhecimento só é válido quando compartilhado, é neste sentido que trabalhamos!  

(*) Rodrigo Solano, Especialista em Internacionalização e Relações Interculturais

www.thinkglobal.com.br 

www.linkedin.com/in/rodrigosolano

Instagram: @tgintercultural

Tags: