Preços elevados registrados durante a covid-19 já retornaram aos patamares pré-pandemia, mas setor enfrenta desafios, como a infraestrutura portuária.
São Paulo – Os recordes de custos do frete marítimo observados durante a pandemia não deverão mais ocorrer. Há uma tendência de queda nas taxas em razão de um excesso de navios e economia global em lenta recuperação. Além disso, as legislações ambientais e as necessidades de investimentos nos portos brasileiros se colocam como desafios para os grandes armadores globais manterem custos e rentabilidade. No Brasil, os preços do frete até podem ser maiores em razão do custo logístico, mas não se aproximam dos picos de até US$ 12 mil registrados em 2021 e 2022. Na foto acima, o Porto de Santos.
Quando as pessoas ficaram em casa em 2020, 2021 e parte de 2022, houve crescimento do comércio internacional. Isso levou a um choque entre oferta de navios e contêineres em circulação e demanda dos consumidores para comprar produtos transportados por estes navios e contêineres. Como resultado, diz o sócio-diretor da consultoria Solve Shipping, Leandro Barreto, o frete marítimo passou a ser única ferramenta para separar quem iria e quem não iria conseguir embarcar suas encomendas. Esses preços foram, também, consequência da contaminação dos profissionais do setor pela Covid-19.
Professor Associado de Engenharia de Produção e Administração da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Centro de Pesquisa em Engenharia de Produção (Cenpro), também da Unicamp, Paulo Sérgio de Arruda Ignácio, acrescenta que até o primeiro semestre do ano passado os preços estavam elevados porque a China ainda enfrentava um lockdown. E foi no país asiático que 25% dos contêineres em
O CEO da consultoria Datamar, Andrew Lorimer, afirma que, no auge da pandemia, navios ficaram encostados, o que levou a um efeito dominó. “Navios parados levaram a um efeito dominó que desmontou a cadeia logística do mundo, que funciona como um reloginho: ter contêineres depende de o navio chegar ao porto, para que sejam abastecidos, enviados, desembarcados e assim por diante. A quarentena desmontou essa cadeia”, diz. Ele afirma que colaborou para uma elevação dos custos momentâneos o encalhe do navio Ever Given no Canal de Suez, no Egito, em março de 2021. A embarcação encalhou no canal por seis dias, o que interrompeu a navegação em uma das rotas mais movimentadas do mundo.
De acordo com os dados da Datamar, o frete médio de um contêiner seco de 40 pés partindo de Xangai, na China, com destino a Santos, no Brasil, custava entre US$ 2 mil e US$ 3 mil antes da pandemia, chegou a US$ 12 mil em 2021, com algumas oscilações, e está em torno de US$ 2 mil novamente. Barreto, da Solve Shipping, observa que houve casos em outros lugares em que o frete atingir US$ 20 mil.
Os valores para o frete são uma média praticada no mercado global. De acordo com Paulo Ignácio, diversos fatores podem contribuir para a formação desse preço. “Os armadores calculam o custo do navio, a rota que será preenchida, se há trechos de tensão com piratas ou conflitos pelo caminho, rotas mais demoradas”, diz.
Mas há outros elementos que constituem esse custo. A professora de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Cristina Helena Mello, lembra que o câmbio e a infraestrutura portuária são outros componentes desse custo.
“O frete marítimo é composto por: taxas para volumes pesados, taxas para volumes com grandes dimensões, fator de ajuste cambial, ad-valorem (uma taxa cobrada sobre o frete como seguro da carga), sobretaxa de combustível, sobretaxa de congestionamento e adicional de porto. Portanto, o comportamento da taxa de câmbio constitui outro fator explicativo e, com a recuperação da atividade econômica após a pandemia e a precária infraestrutura portuária, oneram o custo pela sobretaxa de congestionamento e adicional de porto”, afirma Mello.
Crise e estabilidade
Desde o fim da pandemia, os preços do frete caíram para patamares que passaram a ameaçar o desempenho financeiro dos armadores. Os motivos, segundo Lorimer, são variados: guerra na Ucrânia e muitos navios novos entrando em operação, encomendados durante a alta dos preços da pandemia. Para equilibrar custos e margens, os armadores chegam a tirar embarcações de operação para reduzir a oferta e, assim, elevar custos de frete.
Há uma expectativa, segundo Lorimer, de uma elevação pequena nos custos à medida que o fim do ano se aproximar, pois as encomendas para o Natal, que se concentram entre agosto e outubro, elevam a demanda por navios porta-contêineres e os custos do frete marítimo. No caso de navios graneleiros e petroleiros, utilizados para transporte de grãos e petróleo, o custo é calculado por dia de uso. O frete destas embarcações também subiu de forma acentuada na pandemia, mas não como os navios que transportam contêineres.
Para os próximos anos, a expectativa é de que os preços retornem a patamares menores. “Essa grande quantidade de navios novos entrando em operação coloca pressão no frete, isso deverá continuar. Mas a economia global começa a apresentar notícias mais positivas e talvez tenhamos crescimento em 2024. Então, a previsão é de custos parecidos com aqueles do período pré-pandemia, com crescimento constante e fretes entre US$ 1,5 mil a US$ 3 mil. Mas essa é uma previsão para dois ou três anos, não é possível imaginar muito além”, afirma.
Desafios. E oportunidades…
Os navios que começam a chegar às frotas dos armadores são maiores do que aqueles que estão em operação. Transportam mais de 20 mil TEUS (1 TEU equivale a 1 contêiner de 20 pés), enquanto no Brasil hoje aportam embarcações menores, que serão substituídas pelas maiores, que são mais eficientes. Mas as maiores embarcações do mundo, não têm onde aportar no Brasil porque a profundidade dos portos brasileiros ainda não suporta os maiores navios em operação. Isso onera o armador, mas, principalmente, quem paga pelo frete.
Paulo Ignácio observa que produtos importados do Oriente com destino ao Brasil partem dos portos asiáticos em grandes navios porta-contêineres, que param em portos europeus e transferem essa carga para navios menores. Essas embarcações, por sua vez, seguem para a costa sul-americana. “Cobra-se taxa extra para o frete conforme a dificuldade (de transporte e movimentação de carga). O custo do frete no Brasil tem um aumento”, diz.
Mello, da PUC-SP, também define que “uma infraestrutura menor torna-se mais custosa”. “Seja porque não dá vazão, se constitui em gargalo e onera a sobretaxa de congestionamento, seja porque é necessário o financiamento dos custos do porto. Assim, gastos maiores com mão-de-obra, ausência no uso de inteligência tecnológica e impossibilidade de armazenamento são fatores que também elevam os custos do frete”, afirma a professora.
Olhando para os projetos atuais e o futuro da infraestrutura brasileira, Barreto avalia que haverá uma alternativa ao que há hoje e ao que seria o ideal, comparando-se com os principais portos do mundo. “Acredito que o mais provável de se acontecer será ter mini-hubs regionais no Sul e no Norte do Brasil, sendo que os portos do Sul poderão desembarcar e movimentar 1 a 2 milhões de TEUs, o mesmo acontecendo com portos do Nordeste e o restante ficando com Santos” diz.
“As legislações ambientais não vão mais permitir os navios de 8 mil TEUs em razão das emissões elevadas e porque navios maiores são mais eficientes. Precisaríamos receber navios de 12 mil TEUs, mas ainda não chegam em Santos”, diz Barreto.
Árabes
O Brasil tem rota direta com países árabes para navios que transportam grãos, principalmente a partir do Brasil, e de navios petroleiros, a partir das nações do Oriente Médio.
De acordo com dados da Datamar, o Brasil exportou para os países do Oriente Médio e do Norte da África em janeiro e fevereiro deste ano 37,7 mil TEUs, uma queda de 8,1% na comparação com o mesmo período de 2022. Os principais produtos exportados no período via portos foram carnes (correspondentes a 57% do total); seguidas por madeiras; algodão; café, chás, mates e especiarias; produtos vegetais; tabaco; e papel. Os principais importadores foram Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Turquia (que não é árabe), Egito, Iraque, Israel (que também não é árabe) e Jordânia.
No sentido contrário, o Brasil importou, principalmente, plásticos, vidros, têxteis, fertilizantes e químicos inorgânicos. Em janeiro e fevereiro, as importações somaram 14,9 mil TEUs, um crescimento de 13,2% sobre igual período do ano passado. Os principais exportadores para o Brasil na região foram Turquia, Arábia Saudita, Egito, Israel, Emirados Árabes, Marrocos e Omã.
(*) Com informações da ANBA
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