Fernando Pimentel, diretor superintendente da Abit.

Abit defende pragmatismo para enfrentar concorrência da China na América do Sul

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Da Redação

Brasília – A crescente presença da China ocupando espaços no mercado interno brasileiro em setores como os têxteis e de confecção e desalojando o Brasil na condição de importante exportador desses produtos para os países da América do Sul é vista com apreensão pelo diretor superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Confecção (Abit), Fernando Valente Pimentel. Em entrevista exclusiva, por e-mail, ao Comex do Brasil ele defende uma série de ações para se enfrentar a forte concorrência dos chineses, que já figuram entre os principais fornecedores de produtos têxteis e de confecção para a região.

Segundo Fernando Pimentel, “é óbvio que se se quiser enfrentar a China com seu poder econômico, você não vai ganhar. Vamos ter que trabalhar muito em rapidez de entrega, agilidade, design, produtos adequados, explorar a agenda da sustentabilidade, explorar o fato de sermos vizinhos (dos países sul-americanos), de termos uma comunidade. Também precisamos avançar com a assinatura de acordos internacionais, como o acordo entre o Mercosul e a União Europeia”. Uma receita pragmática para enfrentar a severa concorrência chinesa.

Presença chinesa irreversível

Na percepção do dirigente da Abit, a presença chinesa na região é irreversível: “a China está chegando. Veio para cá, está desafiando o poder norte-americano nesta região e é evidente que olhando para o presente é preocupante”. Ele se referiu também ao fato de que a China está buscando a adesão dos países latino-americanos à sua multibilionária iniciativa “Cinturão e Rota da Seda”, que já conta com a participação de diversos países do subcontinente, e ao qual o Brasil tem rejeitado aderir.

Fernando Pimentel considera importante prestar atenção nos modos que a China produz e na forma como o gigante asiático chega aos mercados da região. Após destacar que os chineses não são os protagonistas isolados dessa “invasão”, mas a Ásia de uma maneira geral, em especial países como o Vietnã, Malásia, Filipinas, mas que, sobretudo, é preciso estar atento à China, “porque é o maior, e essa é uma das missões principais da Abit, que acompanha isso através de convênios com a Receita Federal, trabalhando junto com o MDIC, e outras agendas que não são coibidoras dos negócios internacionais, mas que são coibidoras sim das atividades em que por ventura encontrem irregularidades. Ao mesmo tempo, procuramos abrir processos anti-dumping que forem cabíveis quando se identifica que está havendo uma exportação predatória e desleal”.

A perda de mercados pelo Brasil

O executivo da Abit reconhece que a indústria têxtil nacional vem perdendo participação na América do Sul com o crescimento da presença chinesa e por conta, também, dos problemas que os países vizinhos do Brasil têm sofrido: “as nossas exportações vão justamente para os mercados da América do Sul, América Latina, Estados Unidos. No caso da América do Sul, porque é onde temos acordos que desgravaram as tarifas e é natural que assim seja. No entanto, o comércio intra-América do Sul representa em torno de 25% de todo o comércio da região, enquanto na União Europeia esse percentual chega a 50% e 60%, e na Asean é de 70%. Ou seja, nós temos nos integrado, mas o comércio intra-zona ainda é muito pequeno quando comparado com outras áreas econômicas que estabeleceram acordos de livre comércio ou de outra natureza que facilitem os negócios”.

Mas o dirigente ressalta que uma concorrência externa intensa não é problema de hoje da indústria têxtil brasileira. A competição remonta aos idos da década de 90 do século passado, quando do início da abertura comercial promovida no país pelo então presidente Fernando Collor de Mello.

Concorrência de um gigante

Mas ela se acentuou depois que a China se transformou no maior produtor mundial desse segmento. Fernando Pimentel sublinha que “a China transforma mais de 50% das fibras têxteis no mundo e, sem dúvida nenhuma, é, uma economia no mínimo de capitalismo de Estado, onde há uma intervenção muito maior do Estado nas atividades, nas subvenções e subsídios para os setores nos quais o Estado resolve incentivar para ganhar projeção, como é o caso dos painéis solares e dos veículos elétricos, entre outros”.

No caso específico do Brasil, é de se destacar que a indústria têxtil chinesa representa mais de 50% de tudo o que o Brasil importa e o país asiático tem procurado conquistar mercados em regiões distantes de seu entorno geográfico.

“Estamos vivendo uma nova realidade geopolítica que faz com que os chineses estejam enfrentando dificuldades de chegar a alguns mercados e isso os tem levado a procurar alternativas e uma dessas alternativas, de uma maneira mais crescente, está na América do Sul. E o Brasil está na América do Sul. Isso não só é importante pelo lado das importações, que vêm diretamente para o Brasil, como também pela perda de eventuais mercados ou pela diminuição da nossa participação em mercados da região, como por exemplo a Argentina”, afirmou.

Além da impressionante capacidade produtiva, de uma logística sofisticada e eficiente e de um planejamento plurianual abrangente e de ações de promoção comercial, Fernando Pimentel frisa que “essa agenda de concorrência com os chineses tem várias vertentes. Uma delas reside no fato de a economia chinesa ser ainda dirigida, apesar de a maior parte das empresas do país serem hoje privadas, mas que contam com subvenções que as nossas empresas não contam. Outras questões são irregularidades no comércio internacional. Mas para ter irregularidades tem que ter as duas pontas, a ponta de lá e a ponta de cá. Isso nós combatemos o tempo todo com relação ao acompanhamento e controle das importações, tentando identificar preços que indiquem algum tipo de irregularidade e falsas classificações entre outros”.

China, economia de mercado?

O reconhecimento da China como economia de mercado na Organização Mundial do Comércio (OMC) pelo Brasil em 2004, no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi outro tema abordado pelo diretor superintendente da Abit na entrevista.

Fernando Pimentel diverge do governo brasileiro e considera a China “uma economia de capitalismo de Estado, que não é tão transparente como as nossas economias”. Ele enumera a existência, no país asiático, “de uma série de restrições de informações, restrição de não sabermos de tudo o que acontece lá. Portanto, o fato de a China dizer que é uma economia de mercado não obrigatoriamente a torna uma economia de mercado”.

Nesse contexto, ele entende que é preciso estar atento às movimentações chinesas {no comércio internacional} “e abrirmos processos relativos se houver a identificação de danos por competição desleal, subsídios, por todas as coisas que infrinjam o comércio internacional, que está muito abalado do ponto de vista da sua governança, pelo fato de a OMC estar capenga, não estar resolvendo nada, por mais que se tenha interesse”.

OMC fragilizada

O não funcionamento do Comitê de Solução de Controvérsias da OMC, que está paralisado desde 2017, com a resistência dos Estados Unidos e, liberar a nomeação de novos juízes para o Órgão de Apelação da OMC, composto por sete membros e que hoje conta com apenas quatro juízes foi outro tema comentado por Fernando Pimentel.

Para ele, “perdemos aquela visão multilateral que é muito importante para países como o Brasil, assim como para outros países. A paralisia do Comitê de Solução de Controvérsias afeta as relações comerciais. Além disso, a geopolítica atual também coloca novas pressões. Restrições de países como os Estados Unidos no comércio com a China, a China se movimentando para buscar novos mercados em outros locais ou se instalando em outros países para tentar driblar essas restrições, tudo isso afeta o comércio internacional”.

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