São Paulo – A maioria das empresas globais (80%) concorda que acelerar as implementações de energia renovável de maneira substancial é urgente e exige maior atenção para cumprir as metas do Acordo de Paris. Ao mesmo tempo, 84% delas relataram que os desafios atuais do mercado estão causando atrasos significativos e, em alguns casos, até mesmo o abandono de projetos de energia renovável.
É o que revela a pesquisa Turning the Tide in Scaling Renewables (Mudando a Trajetória para Escalar as Energias Renováveis), realizada pela KPMG com 110 empresas de 24 países. Os participantes responderam questões sobre a necessidade de acelerar a implementação de energias renováveis, os desafios atuais do mercado e a eficácia das políticas aplicadas.
O levantamento destacou ainda que, em março de 2023, o Brasil bateu recorde de produção de energia renovável, quando este tipo de energia representou 90% do total gerado no país.
Embora o dado seja animador, o ritmo da transição energética não é suficiente para contribuir para alcançar a meta do Acordo de Paris de limitar o aumento das temperatura global. “Conforme ressalta o relatório, a combinação de barreiras antigas e recentes representa um risco significativo para manter e acelerar o impulso necessário para cumprir o compromisso do G20 de triplicar a capacidade de energia renovável até 2030. Tal déficit teria repercussão global, colocando em sério risco o cumprimento das metas do Acordo de Paris”, diz o sócio-líder de Energia e Recursos Naturais da KPMG no Brasil, Anderson Dutra.
A Agência Internacional de Energia (AIE) estima que os requisitos minerais para tecnologias de energia limpa precisarão quadruplicar até 2040 para que as metas do Acordo de Paris sejam cumpridas. “A única abordagem realista para escalar as energias renováveis rapidamente é identificar com clareza os obstáculos que impedem a construção de projetos e as ações e estratégias específicas para superá-los”, complementa a sócia-líder global de Power & Utilities da KPMG, Franceli Jodas.
A pesquisa da KPMG lista 10 barreiras para implementação das fontes renováveis. São elas:
- Estrutura de mercado: muitos mercados foram projetados para incentivar a geração convencional de energia, como o de carvão e o de gás natural, em vez de promover o uso de recursos flexíveis de baixo carbono. Algumas regiões no mundo estão considerando fazer alterações nos seus modelos de operação para acomodar o crescimento das energias renováveis, seja revisando limites de emissões ou explorando mercados de capacidade. O uso mais amplo de ações de resposta à demanda, sinais mais robustos de preço de carbono e incentivos para armazenamento de longa duração, podem ajudar a acelerar a transição para as energias renováveis.
- Acesso ao capital: financiar a transição energética requer um enorme volume de capital. A Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA, na sigla em inglês) estima que os investimentos globais acumulados necessários para alcançar as metas climáticas do Acordo de Paris são de USD 5 trilhões anuais, ao longo de 30 anos. As altas taxas de juros e a inflação na cadeia de suprimentos tornaram mais difícil atrair investimentos em alguns projetos de energias renováveis. É necessário que os governos, operadores de sistema e reguladores criem mecanismos e incentivos que facilitem a colaboração entres stakeholders para a expansão e desenvolvimento de novas tecnologias em prol do ganho de escala e da redução dos custos de capital.
- Investimento em infraestrutura de rede: que viabilizem a rápida integração e fornecimento das energias renováveis. Para isso, é preciso também promover tecnologias inovadoras, como a inteligência artificial (IA) e aprendizagem de máquina (machine learning – ML), cada vez mais inseridas nas operações e manutenções das redes.
- Planejamento e permissão: se consideramos todas as etapas do processo, é necessário muito tempo para implementar projetos de energias renováveis. Para agilizá-los, seria importante acelerar as aprovações necessárias durante as fases de planejamento e licenciamento. No entanto, é fundamental que os responsáveis por essas aprovações tenham conhecimento e dados suficientes sobre as novas tecnologias, seus impactos e benefícios aportados às comunidades.
- Acelerar as soluções de armazenamento: o armazenamento de energia é necessário para preencher lacunas de ausência de sol e vento, e manter o fornecimento confiável de eletricidade. Esse armazenamento precisa ser financeiramente viável. Para isso, seria importante assinar contratos de longo prazo, que garantam fluxos de receita previsíveis que atraiam financiamento, pagamentos da capacidade apoiados pelo Estado, garantias de renda e regras de serviços complementares que incentivem o armazenamento.
- Questões relacionadas à cadeia de suprimentos: a pandemia da covid-19 expôs os desafios na expansão das energias renováveis, quando as cadeias de suprimento passaram por disrupções. Garantir cadeias de suprimento resilientes e confiáveis é uma das bases para o rápido ganho de escala das energias renováveis. A diversidade geográfica de fornecedores – minerais críticos e fabricação de equipamentos atualmente estão concentrados em poucos países –, bem como o financiamento de baixo custo são soluções para que os projetos de energia renováveis se desenvolvam mais rapidamente.
- Acesso a matérias-primas críticas: é necessário acesso competitivo a uma grande quantidade de matérias-primas, como cobalto, níquel, grafite, cobre e lítio. Logo, é importante a expansão da capacidade da mineração e a diversificação das fontes de matérias-primas críticas. Também é preciso investir no desenvolvimento de cadeias de suprimento e em modelos de negócio que promovam a economia circular, o design de produtos com maior durabilidade e capacidade de reciclagem e reutilização.
- Natureza e biodiversidade: as mudanças climáticas já estão acelerando a perda de habitat e a taxa de extinção de espécies. Devemos reconhecer os potenciais impactos negativos do desenvolvimento de energias renováveis em relação à natureza e à biodiversidade e tomar medidas para reduzi-los ou evitá-los. É importante o envolvimento proativo de especialistas ambientais na escolha de locais para projetos, priorizando tecnologias que mitigam os impactos sobre o habitat e as espécies.
- Licença social para operar: os desenvolvedores precisam obter licenças e aprovações governamentais para operar, mas cada vez mais também precisarão de licenças que considerem o grau de aceitação de um projeto entre as comunidades, o público em geral e demais stakeholders.
- Mercados emergentes: a comunidade global poderá se ver dependente de combustíveis fósseis por mais tempo do que o previsto, se não houver aceleração da implementação de energias renováveis em mercados emergentes. O cumprimento das metas climáticas do Acordo de Paris depende fortemente da adesão desse mercado também.